Para inglês ver: entenda a queda da libra esterlina

Mercados britânicos já perderam mais de US$ 500 bilhões em valor de mercado e a libra esterlina despencou ao menor valor frente ao dólar.
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Por Mariane Vas - 03/10/2022
Atualizado em 15/12/2022
5 min de leitura

Desde a posse de Liz Truss os mercados britânicos já perderam mais de US$ 500 bilhões em valor de mercado e a libra esterlina despencou ao menor valor frente ao dólar em quase 40 anos. 

Isso porque a nova primeira-ministra, líder do Partido Conservador, apresentou na sexta-feira (23/09) uma proposta visando estimular o crescimento da economia britânica, através de uma polêmica reforma tributária. 

O ministro das Finanças do Reino Unido, Kwasi Kwarteng, apresentou o projeto, que inclui:

  • planos de redução de impostos sobre folhas de pagamentos;
  • congelamento de imposto sobre empresas;
  • abandono de um teto para bônus de executivos do setor bancário;
  • gasto de bilhões de libras esterlinas para subsidiar contas de energia nos próximos dois anos. 

A proposta original era reduzir de 45% para 40% a alíquota máxima do imposto de renda para contribuintes que ganham mais de 150 mil libras por ano, cortar a alíquota mínima para 19% a partir de abril de 2023 (um ano antes do previsto), cortar os impostos sobre a primeira compra de imóveis e cancelar o aumento da taxação de dividendos planejado para 2023.

Investidores ficaram preocupados com a escala dos gastos envolvidos, principalmente porque o pacote de subsídios e cortes de impostos seria bancado por meio de endividamento público, e custará mais de 150 bilhões de libras nos próximos dois anos. Os subsídios de energia devem custar em torno de 60 bilhões de libras nos próximos seis meses e o Tesouro britânico calculou que os cortes de impostos custarão 26,7 bilhões de libras no próximo ano e 31,4 bilhões de libras esterlinas em 2024.

A recepção do mercado foi nitidamente negativa, preocupado com um salto na inflação e no endividamento, e prevendo um aumento emergencial das taxas de juros. A reação foi imediata: o índice FTSE 350 derreteu no mês de setembro, a taxa dos títulos do governo de 10 anos disparou, ultrapassando 4% pela primeira vez desde 2010, e a libra esterlina despencou à mínima histórica ante o dólar americano ($1.03), acumulando em setembro 4% de perdas. 

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A tensão foi de tamanha magnitude que o retorno do bônus de 10 anos do Reino Unido se aproximou do da Itália e da Grécia (ainda que continue abaixo). Ademais, muitos fundos de pensão, principais detentores de Gilts (título da dívida soberana do Reino Unido) longos, tiveram que vender os títulos para atender os calls de colateral de posições que viraram pó.

Gráfico da Libra Esterlina x Dólar Americano

Fonte Gorila Flow

Até mesmo o Fundo Monetário Internacional (FMI), numa rara intervenção em um país do G7, suplicou que Truss reavalie os planos, e alertou que os cortes de impostos (os maiores da região desde o início dos anos 1970) provavelmente vão causar aceleração da inflação e aumento da desigualdade.  

“Dadas as pressões inflacionárias elevadas em muitos países, incluindo o Reino Unido, não recomendamos pacotes fiscais grandes e não direcionados neste momento, pois é importante que a política fiscal não funcione em oposição à política monetária”, disse o porta-voz no comunicado do FMI.

Após o sell-off generalizado, o BoE (Banco Central Britânico) anunciou que entre 28/09 a 14/10 irá comprar os títulos longos “em qualquer escala que for necessária” para restaurar a ordem nos mercados financeiros. Além disso, a instituição também decidiu adiar as vendas de Gilts que teriam início na próxima semana, como parte de um processo de aperto quantitativo, e agora as primeiras operações de venda dos bônus estão marcadas para 31 de outubro.

Comportamento dos Gilts ao longo dos anos

Fonte: CNBC

O comunicado do BoE permitiu uma recuperação pontual dos Gilts no pregão de quarta-feira, mas o alívio durou pouco, uma vez que os investidores sabiam que se tratava de uma  medida emergencial para controle dos mercados de renda fixa e não uma política monetária estruturada para conter a inflação.

Evolução do preço do Título Público Britânico com vencimento 10 anos

Fonte: Broadcast

O cenário externo também não colabora, com a escalada global da inflação (nos EUA do lado da demanda e na Europa do lado da oferta, segundo o recente depoimento da Christine Lagarde), somado à subida do preço do gás em meio a tensões crescentes nos mercados energéticos, como decorrentes da interrupção no fornecimento de gás no gasoduto Nord Stream. 

Vale reforçar que a inflação das grandes economias têm como característica a capacidade contaminadora a nível. Na própria quarta-feira (28/09) o Banco Central Europeu reforçou o compromisso em subir juros “nos próximos vários encontros”, como parte dos esforços para conter a escalada da inflação na Zona do Euro. Lembrando que no início de setembro o BCE já subiu suas principais taxas em 0,75 ponto percentual, depois do aumento de 0,50 p.p. em julho.

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Tendo em mente que a Inglaterra já enfrenta a taxa de inflação mais alta em cerca de quatro décadas, o BoE já comunicou que não hesitará em aumentar ainda mais as taxas de juros se necessário, sendo que já as elevou em 50 pontos base na semana passada.

Inflação do Reino Unido (CPI)

Fonte: Office for National Statistics – Elaboração: BBC

Há quem via os planos de cortes profundos de impostos e desregulamentação para tirar a economia de um longo período de estagnação como um retorno às doutrinas thatcheristas e reaganômicas da década de 1980. Outros passaram a comparar com o governo Dilma Rousseff, que apostou no descontrole fiscal em busca do crescimento do PIB. A ministra da Economia da Espanha, Nadia Calvino, foi direta e chamou a política de Kwarteng de desastre. 

Depois da terrível recepção internacional da proposta, dos relatos de que alguns parlamentares conservadores estariam ponderando um voto de desconfiança em Truss (ainda que o especialista do Eurasia Group, Mujtaba Rahman, disse que seria um cenário improvável de se concretizar) e da redução da previsão de crescimento do Reino Unido para 2023 para zero pela OCDE, hoje (03/10) a primeira-ministra voltou atrás e abandonou a impopular proposta de eliminar o tributo de 45% sobre o imposto de renda dos mais ricos. 

Kwarteng justificou que a eliminação do imposto havia se tornado uma “distração” do objetivo mais amplo do governo, de mitigar os efeitos da desaceleração econômica e a escalada dos preços de energia. “Isso vai nos permitir focar em entregar as principais partes do nosso pacote de crescimento”, ressaltou.

De qualquer forma, a desconfiança do investidor se mantém e a cautela com os mercados britânicos continua no radar. 

Atualização: Hoje, 14 de outubro, a primeira-ministra do Reino Unido comunicou a demissão do ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, três semanas depois que ele anunciou o “mini-orçamento” de corte de impostos.

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