Repensando alguns aspectos do mercado de renda variável no Brasil (parte 1)

Esse é o primeiro artigo de uma série de dois textos que irei publicar sobre temas do mercado de capitais que merecem ser debatidos.
Não vou comentar nada sobre o caso Americanas. O assunto tem sido amplamente debatido em público.
Entretanto, o caso reforça a necessidade de repensarmos diversos aspectos relevantes que vêm me incomodando no mercado local de renda variável.
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Primeiro aspecto é a governança corporativa
O próprio conceito de governança corporativa me parece ser interpretado de maneira incorreta por aqui.
A grande maioria dos pensadores em governança utilizam o conceito que pode ser resumido como sendo: “…são as regras, práticas e processos usados para administrar uma empresa…”
Prefiro utilizar o conceito incluído na minuta do novo código de governança do IBGC, em audiência pública, conforme publicou por Fernando Torres em recente artigo no Valor Investe:
“Governança corporativa é o sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável no longo prazo para a organização, seus sócios e a sociedade em geral…”
Incluí apenas a primeira sentença da definição. Sugiro fortemente a leitura completa do artigo do Fernando, publicado em 9/02/23, cujo título é “Boa governança corporativa depende do dono ou dos chatos”
Nesta nova definição do IBGC, mais abrangente que as anteriores, chamo a atenção para dois pontos:
- O uso da palavra “princípios”: se as pessoas que lideram qualquer organização não tiverem elevados conceitos éticos, não será possível implementar boas práticas de governança e muito menos ESG e,
- A inclusão da expressão “com vista à geração de valor sustentável no longo prazo”: para mim este princípio é fundamental. Ele remete ao objetivo de uma empresa em buscar longevidade com rentabilidade. Além disso, coloca a qualidade de gestão como uma condição necessária para que uma empresa declare implementar as melhores práticas de governança.
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Qualidade de gestão é, portanto, condição fundamental para que uma empresa: a) consiga gerar valor sustentável no longo prazo e, b) preencha os requisitos para ser considerada uma empresa com melhores práticas de governança.
Não existe uma receita de bolo para se definir se a gestão de uma empresa é de qualidade ou não.
Mas lembro que a gestão começa no Conselho de Administração que tem como responsabilidade contratar e avaliar o CEO. Portanto, uma análise de quem são os membros do Conselho é parte integrante de um processo de avaliação da qualidade de gestão.
Pretendo publicar no curto prazo um artigo sobre como medir qualidade de gestão. O assunto é quente, complexo e controverso. Já consegui diversas análises sobre o tema publicadas no mercado internacional.
Segundo aspecto para reflexão a ser analisado é: aspectos regulatórios ligados à atividade de analista de investimentos e influenciadores nas mídias sociais
Eu tenho exatamente 31 anos no mercado, aproximadamente 25 anos como analista, estrategista e head de research.
Sou analista certificado pela Apimec desde que a certificação começou a ser exigida para que o profissional exerça sua atividade mesmo que ele/ela tenha zilhões de anos de experiência.
Ano passado tive que fazer uma prova para renovar minha certificação.
Hoje, como gestor de um FIA (tenho também CGA) não precisaria do CNPI (nome da certificação para analista), mas preferi renovar. Mas ainda assim, quis renovar.
100% da prova para renovação da certificação é de conteúdo que não faz parte do dia a dia de um analista, tanto do sell side como do buy side. Fiz a prova e passei. Ótimo.
Nos EUA por exemplo, apesar da grande popularidade do CFA, ele não é um pré-requisito para alguém atuar como analista.
Voltando para o nosso mercado, em uma outra posição temos os influenciadores, que atuam livremente nas mídias sociais.
Em geral colocam um disclaimer dizendo que as opiniões ali externadas são apenas de cunho pessoal. E a partir daí dão seus pitacos, muitas vezes sugerindo de forma inocente o que seus seguidores devem fazer.
Vocês não acham que temos aqui tratamentos diferentes para 2 agentes de mercado que, direta ou indiretamente, estão recomendando ou sugerindo investimentos para clientes e/ou seguidores?
Pode isso Arnaldo?
Aproveito aqui para externar minha opinião sobre o tema certificação para analistas:
Sou Contra.
A certificação através de uma prova não garante conhecimento técnico e muito menos idoneidade. Por que limitar o exercício da função por um profissional que pode muito bem ser bem preparado através de experiências passadas por atividades correlatas?
Na segunda parte do debate sobre repensar aspectos do mercado de renda variável no Brasil vamos falar de IPOs, assimetria de acesso e necessidade de fomento de pesquisa aplicada conjunta da academia e dos practioners.
Sobre o colunista
Sergio Goldman é colunista no Blog do Gorila e possui 30 anos de experiência no mercado de capitais da América Latina com foco em Equity Research, Distribuição de Renda Variável e Wealth Management. Possui vasta experiência na venda de produtos de renda variável para investidores institucionais locais e estrangeiros, tendo trabalhado em instituições financeiras como Baring Securities, Bear Stearns, Santander, Unibanco e Safra. Desde 2019 atua como gestor do FIA Esh Prospera. Entre 2014 e 2016 foi contribuidor da coluna Palavra do Gestor no jornal Valor Econômico. Formado em Engenharia Eletrônica pela PUC do Rio Janeiro, tendo mestrado em administração na COPPEAD, escola de negócios da UFRJ.