A batalha épica entre os investidores locais e os estrangeiros
A volta do investidor estrangeiro no mercado brasileiro tem sido comemorada na Faria Lima e no Leblon.
Grande parte do fluxo positivo está sendo impulsionada pelo investimento de investidores globais em mercados emergentes.
Com base em relatório publicado pelo BTG em 31 de janeiro, houve uma entrada líquida de aproximadamente US$ 11 bilhões em fundos de mercados emergentes globais.
Na ponta oposta, dentre os fundos de ações locais, a saída de recursos continua.
Dados da Anbima mostram que em janeiro, até o dia 27, houve saída líquida de R$ 8,3 bilhões de fundos de ações, e de R$ 14,1 bilhões de fundo multimercados (lembrando que esta classe de ativos possui posições muitas vezes relevantes em ações).
Nos últimos 12 meses, a saída líquida de fundos de ações foi de R$ 28 bilhões, enquanto a dos multimercados foi de R$ 89 bilhões.
Como explicar esse comportamento dissonante dos dois grupos de investidores?
A expectativa de alta nos preços das principais commodities parece ser um dos drivers para o interesse do estrangeiro.
Por outro lado, considerando que crescimento superior é fator importante na tese de investimentos em mercados emergentes, é curioso esperar fluxo forte de estrangeiros para o Brasil, já que outros mercados emergentes devem crescer bem mais que o nosso país nos próximos 2 anos pelo menos.
Em seu relatório de janeiro, World Economic Outlook Update, o FMI estima que o PIB brasileiro crescerá 1,2% em 2023 e 1,5% em 2024.
Esses números são bem menores que os crescimentos esperados para China e Índia e para média dos mercados emergentes.
Portanto, se a busca por crescimento acima da média for primordial, o fluxo do investidor estrangeiro para ações brasileiras não deverá ser sustentável.
Olhando agora a visão do investidor local, o sentimento negativo vem principalmente das incertezas na política fiscal e a de que a taxa longa de juros permaneça elevada por um período mais longo.
Na direção oposta, existe um consenso de que a Bolsa brasileira está bastante descontada, apesar das incertezas macro que envolvam a tese de investimentos em ações brasileiras.
O argumento “bolsa barata” vem do fato de que a relação P/L agregada das ações brasileiras está com desconto considerável em relação à sua média histórica; P/L forward atual está próximo a 7x enquanto a média histórica é de aproximadamente 11,0x.
Considero esta análise simplista.
Do ponto de vista didático, vamos considerar o valuation de uma ação com base no valor presente do fluxo de dividendos (dividend discount model – DDM)
No nosso caso, pensemos no mercado brasileiro de forma agregada.
Com base no DDM, o preço justo de uma ação pode ser definido por:
P = D / (Ke – G)
Onde,
P = preço justo
D = dividendo esperado para o período seguinte,
Ke = custo do capital próprio, definido por: Ke = Taxa livre de risco + ( Beta * Prêmio de Risco para investimentos no mercado de ações)
No caso do agregado do mercado, Beta é igual a 1,0.
G = crescimento de longo prazo esperado para o agregado de lucros do mercado
Vamos decompor a equação acima, considerando que D = payout*lucro(L)
P= (payout*L)/Ke – G ou
P/L = payout/Ke-G
Na tabela abaixo, apresentamos alguns cenários para as variáveis envolvidas:
Cenário 1 | Cenário 2 | Cenário 3 | Cenário 4 | Cenário 5 | |
---|---|---|---|---|---|
TLR | 12,5% | 12,5% | 13,5% | 10,0% | 9,0% |
ERP | 5,0% | 5,0% | 5,0% | 5,0% | 5,0% |
Ke | 17,5% | 17,5% | 18,5% | 15,0% | 14,0% |
LT Growth | 6,0% | 8,0% | 8,0% | 8,0% | 10,0% |
Pay-Out | 100% | 50% | 50% | 50% | 70% |
PER | 8,7 | 5,3 | 4,8 | 7,1 | 17,5 |
Fonte: Sérgio Goldman
Onde:
TLR é a taxa livre de risco;
ERP é o equity risk premium
LT Growth é o crescimento de longo prazo dos lucros agregados
Pay-Out é o percentual dos lucros distribuídos aos acionistas
Vale destacar que:
- Se a taxa de juros de longo prazo não cair, é pouco provável que o P/L do mercado convirja para média histórica;
- Crescimento do PIB e inflação controlada são fatores primordiais para aumento da taxa de crescimento de longo prazo;
- Na direção oposta, o crescimento do país tende a gerar uma redução do payout; com numerador menor o P/L justo tende a cair.
A principal mensagem desta análise do P/L justo é: comparar o P/L atual com seu comportamento histórico e a partir daí afirmar que a Bolsa está barata me parece uma análise míope.
Sobre o colunista
Sergio Goldman é colunista no Blog do Gorila e possui 30 anos de experiência no mercado de capitais da América Latina com foco em Equity Research, Distribuição de Renda Variável e Wealth Management. Possui vasta experiência na venda de produtos de renda variável para investidores institucionais locais e estrangeiros, tendo trabalhado em instituições financeiras como Baring Securities, Bear Stearns, Santander, Unibanco e Safra. Desde 2019 atua como gestor do FIA Esh Prospera. Entre 2014 e 2016 foi contribuidor da coluna Palavra do Gestor no jornal Valor Econômico. Formado em Engenharia Eletrônica pela PUC do Rio Janeiro, tendo mestrado em administração na COPPEAD, escola de negócios da UFRJ.
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