O preço da confiança: “resolução da transparência” abre espaço para fee fixo para assessores e consultores

Resolução CVM 179 promove mais clareza e levanta debate sobre remuneração do mercado brasileiro.
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PorGorila - 29/11/2024
5 min de leitura

O momento é de transformação no mercado financeiro. A nova regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), introduzida pela Resolução 179, trouxe regras mais rígidas sobre a transparência nas práticas de remuneração dos assessores de investimentos. Mudanças trazem também oportunidades. Desde o início de novembro, quando a parte final da 179 de fato passou a vigorar, o antes não tão procurado, ou talvez não tão oferecido, modelo fixo de remuneração para os assessores, entrou em pauta e tende a conquistar novos adeptos.

A moeda é comissão

Atualmente, grande parte dos assessores de investimento no Brasil é remunerado com base em comissões sobre produtos vendidos. A transparência, antes de ser exigida, já era uma obrigação subentendida para qualquer instituição ou profissional. No final do dia, ou melhor, no final do pregão, em um mercado tão competitivo, o ativo mais valioso para o sucesso é a credibilidade. Mesmo assim, qualquer conflito de interesse que pudesse existir na relação entre investidores e assessorias, não existe mais. 

“Eu acho que o impacto da CVM na confiança do cliente investidor em relação ao mercado de capitais brasileiro só vai ser de fato machucado ou melhorado se antes não existia essa relação de confiabilidade e de segurança com a corretora que ele trabalha”, afirmou Karyne Freitas, sócia do AW Capital, assessoria de investimentos especializada do BTG Pactual.

Vale lembrar que as comissões não são ganhos, e sim remuneração. O valioso serviço dos assessores é remunerado dessa maneira. A transparência permitirá ao investidor entender quanto e como foi cobrado pelo atendimento. Com essas informações, ele poderá avaliar se seus interesses foram priorizados pelo contratado.

Quem concorda é Anderson Moreira, assessor de investimentos da Invés. “O fato de o cliente ter acesso às comissões já pode ser uma boa ferramenta para coibir profissionais que não estão alinhados com o sucesso do cliente. O cliente de posse dessa informação poderá questionar, debater a alocação com o assessor e ter noção do quanto aquela recomendação está remunerando o assessor”, apontou ele.

Fee fixo: moda ou tendência?

O modelo fixo nada mais é do que uma mensalidade, que pode ser acordada entre as duas partes, ou estabelecida através de uma porcentagem em relação ao patrimônio investido. O que muda significativamente nesse cenário é que a remuneração do assessor ou consultor agora será de responsabilidade direta do cliente, e não mais pelos “rebates” das corretoras.

A transparência como prioridade para os órgãos reguladores do mercado chegou antes em outros países. Nos Estados Unidos, mais de 60% dos investidores optam pelo fee based na hora de investir seu dinheiro através de intermediários, segundo pesquisa da Cerulli Associates.  “Nos EUA, o nível de transparência é bem abrangente, o que viabilizou o investidor a tomar a decisão pelo modelo. Outro detalhe que eleva a adoção pelo fee fixo é a atuação dos RIAs – profissionais com a atribuição equivalente ao consultor CVM, como os quais o investidor americano optou por se relacionar”, pontuou Cristiane Reis, presidente da ABCVM. 

No Reino Unido a mudança nas normas fez com que a transição fosse ainda mais significativa. Com a implementação do Retail Distribution Review (RDR), em 2012, que assim como a CVM 179 trouxe mais clareza em relação às comissões, provocou uma inversão estrutural no segmento: o comissionamento, antes preferido por mais de 80% dos investidores, passou a ser opção para apenas 13% do mercado, pouco mais de 10 anos depois, em 2023, segundo a Teva Índices.

A previsibilidade que proporciona o “salário mensal” pelo atendimento e gestão financeira, se bem aplicada, representa um ganho entre as duas partes envolvidas: enquanto o investidor sabe exatamente por onde “passeia” seu dinheiro, o assessor se protege em cenários instáveis e tem mais capacidade de planejamento. “Eu percebo que as pessoas estão mais dispostas a ouvir sobre o fee fixo depois das notícias que têm saído sobre prejuízos causados por alguns profissionais no modelo comissionado. Os investidores têm aumentado o nível de consciência sobre o assunto”, explicou Anderson Moreira.

Karyne Freitas, sócia do AW Capital, assessoria de investimentos especializada do BTG Pactual, levanta ponto valioso nesse debate dicotômico e lembra que não existe “o melhor” e “o pior”, mas sim contextos, realidades e objetivos diferentes. “O que a gente precisa entender é que a partir do momento que a carteira do cliente está muito pulverizada dentro do modelo fixo, ela vai estar deixando uma remuneração muito mais alta para o assessor na mesa. Claro que quando a gente fala em ofertas muito grandes dentro das corretoras, a gente tem ali uma remuneração um pouco mais pesada, mas que não impacta a rentabilidade do cliente”.

Informação e educação em alta

Apesar das vantagens, uma eventual transição de preferência entre modelos no Brasil não seria algo simples. Na Faria Lima, a cultura ainda é profundamente enraizada no modelo comissionado, aceito tanto pelos profissionais quanto pelos investidores. 

Pelo menos até agora. Pedro Persichetti, sócio fundador e VP da Sail Capital, acredita que o primeiro impacto da CVM 179 já esteja acontecendo. “Muitos clientes não sabem como é feita a remuneração do serviço prestado, que é através de comissionamento. Isso pode gerar uma surpresa”, analisou.

Outro obstáculo que pode atrasar a oferta de modelos mais flexíveis e abrangentes baseados na remuneração combinada é o impacto financeiro em curto prazo para as instituições. Muitas empresas precisariam reestruturar seus modelos de negócio e avaliar como garantir a sustentabilidade financeira sem as receitas substanciais geradas pelas comissões. Pedro Persichetti reforça o pensamento. “Muitos escritórios de investimento que já estão grandes e consolidados no formato de comissão terão que buscar uma forma de se adaptar ao formato de fee based, e isso pode ser bem desafiador”, apostou ele.

Que mar é esse?

Embora o modelo fixo ainda seja alternativa pouco explorada, a pressão por maior alinhamento entre assessores e clientes pode impulsionar sua adoção. 

Francisco Amarante, Superintendente da Associação Brasileira dos Assessores de Investimentos (ABAI) faz seu alerta sobre os perigos que uma eventual “corrida do ouro” nas ofertas pela remuneração fixa poderia provocar. “Como tudo, irá acabar em uma guerra de preços, onde chegará a um ponto que ficará inviabilizado o mercado. Vejam o que ocorreu no passado com as corretagens em bolsa. Hoje se pratica zero corretagem. Qual foi a vantagem dessa competitividade de preços? Será que cobrar pela prestação de serviços não é justo? Vejo um frenesi com relação ao fee fixo que não consigo compreender o real motivo”.

Se uma migração no formato da remuneração ainda é especulativa, a certeza que a nova regulamentação traz é uma mudança na relação entre investidores e seus advisors. “Com o investidor entendendo o custo por trás das recomendações de investimento, os serviços de aconselhamento financeiro também deverão evoluir. Consolidação de posições entre as várias instituições, planejamento financeiro sucessório, eficiência tributária, investimentos no exterior, deverão ser assuntos mais comuns nas conversas’, aposta Roberto Lee, sócio da Nord Wealth.

A “onda” chamada remuneração fixa definitivamente correu o Oceano Atlântico e não banha mais apenas a costa de Nova Iorque e Londres. Antes quase exclusivo para um formato específico de investidor, após a Resolução 179, passa a ganhar “surfistas” por aqui. Para todos que pularam no mar, resta saber se o que vem é um tsunami ou apenas uma marola.

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