Além das cortinas: CVM 179 e o desafio da transparência no mercado brasileiro

A nova resolução revela práticas antes ocultas e exige esforços para promover uma relação mais honesta e informada entre investidores e instituições financeiras. Leia a análise de especialistas.
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PorGorila - 11/11/2024
Atualizado em 04/12/2024
5 min de leitura

A resolução CVM 179, que teve sua última parte implementada no primeiro dia do mês, iniciou um novo capítulo no compromisso com a transparência. Focada em elevar os padrões de clareza e acessibilidade das informações divulgadas por empresas e instituições financeiras, a medida estabeleceu normas que visam garantir uma comunicação mais eficiente e precisa com investidores e stakeholders. Em um cenário econômico onde a confiança é essencial, a nova regulamentação chegou para reforçar o papel da transparência como pilar fundamental para a segurança e o desenvolvimento saudável do mercado financeiro. 

O que muda para o investidor? 

Respondendo à pergunta, de forma direta, absolutamente nada. Plataformas de investimento, essas sim agora estão obrigadas a fornecer relatórios detalhando as comissões e remunerações conquistadas por seus assessores. “Armado de informação”, indiretamente o investidor consegue detectar de forma mais precisa o quanto paga para o serviço que lhe é prestado e ainda os valores de cada produto adquirido em sua carteira. Resumidamente, aquele que já buscava entender por onde passeia seu dinheiro, agora terá um fiel aliado. Para os “desavisados”, nada muda. 

O que muda para o mercado? 

Se aqui a resposta não é “absolutamente nada”, com certeza pode ser: “muito pouco”. Daniel de Paula, CFP da Nexgen Capital, um dos 20 maiores escritórios de investimentos da XP no Brasil, acredita que as novas regulamentações, se agora oficiais, sempre funcionaram de forma subentendida e que, com a fiscalização, vai ser possível separar o “o urso do touro”. 

“Muita gente, ou a maior parte do mercado, talvez vá ser pouco impactada. Tem muita gente que trabalha direitinho, que põe o cliente em primeiro lugar, que respeita as melhores práticas de assessoria, no que tange ao perfil do cliente, a necessidade de liquidez, as boas práticas de diversificação da carteira… Acho que, de fato, quem estava fazendo de uma maneira não tão adequada, a regulação veio combater e mitigar. Para quem já estava trabalhando direitinho, a mudança é marginal”. 

Vale lembrar que não foram incluídos nessa regulamentação produtos não vinculados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ou seja, papéis do Tesouro Direto, seguros e consórcios não estarão sujeitos a nova norma. 

“Pensando no investidor, o mundo ideal é que ele recebesse informações sobre 100% de seu portfólio de investimentos e não apenas restrito aos valores mobiliários, pois bem sabemos que no estoque geral de investimentos no mercado brasileiro, mais de 80% estão em produtos bancários, distribuídos por gerentes de banco, onde a norma não atinge. Transparência, sim, no entanto, para toda a cadeia de distribuição, seus participantes e produtos. Do contrário fica uma transparência caolha, não cumprindo o seu papel com o investidor”, alertou Francisco Amarante – Associação Brasileira dos Assessores de Investimentos (ABAI). 

Fortalecendo a confiança 

Para os especialistas, as novidades trarão impacto direto na saúde e na confiança do mercado financeiro. Quem reforça a ideia é Cristiane Reis, presidente da ABCVM. “Para tomar uma boa decisão de investimentos, o custo da operação é fundamental. Com esse nível de clareza o investidor pode discernir se a oferta tem motivações comerciais acima do seu interesse”, analisou. 

Em um cenário competitivo, onde o acesso desigual a informações é um desafio contínuo, o aumento da transparência nivela o campo de atuação e ajuda a proteger o investidor comum, garante Roberto Lee, sócio da Nord Wealth. “O investidor médio brasileiro ainda não está acostumado a pagar pelas recomendações de investimento, algo que já é comum entre as famílias UHNW (donos de fortuna acima dos US$ 10 milhões). De maneira gradual, a transparência nos custos fará o investidor avaliar a qualidade do serviço prestado pelo seu assessor ou gerente. Poderá haver uma migração de recursos entre bancos e/ou corretoras com taxas mais competitivas”, previu ele. 

Aumentando a competitividade 

Com novas regras no jogo, a concorrência tende a ser franca e crescente. Quem aposta nisso é Ademir A. Correa Junior, presidente do Fórum de Distribuição da ANBIMA. “Com mais informações sobre o funcionamento das remunerações de bancos, corretoras e escritórios de assessores na intermediação de valores mobiliários, o investidor terá condições de comparar diferentes casas e conseguirá identificar eventuais conflitos de interesse não apenas na tomada de decisão, como também no decorrer da relação com o distribuidor”, apontou ele em comunicado publicado no site da associação. 

A CVM 179 traz exigências que vão além da divulgação tradicional de resultados financeiros. As instituições agora precisam informar, com mais frequência, sobre qualquer evento que possa alterar substancialmente a saúde financeira ou a perspectiva de negócios. Essa nova regra acompanha uma tendência global, onde a transparência é vista não apenas como um compromisso ético, mas como uma necessidade para atrair investimentos e construir credibilidade no mercado. 

A tecnologia como diferencial 

A responsabilidade por manter essa comunicação aberta e contínua requer um investimento considerável por parte das empresas, especialmente as de médio e pequeno porte, que talvez precisem adaptar seus sistemas internos e equipes para lidar com essas novas obrigações. Isso inclui treinamento de pessoal e ajustes em processos de compliance para garantir que tudo esteja dentro dos padrões exigidos pela CVM. 

Quer pagar quanto? 

A nova resolução surge em momento de amadurecimento do mercado financeiro brasileiro, que há décadas se inspira em modelos regulatórios internacionais, como nos Estados Unidos, onde a cobrança de um fee fixo é a prática mais comum. “Nos EUA, o nível de transparência é bem abrangente, o que viabilizou o investidor a tomar a decisão pelo modelo. Outro detalhe que eleva a adoção pelo fee fixo é a atuação dos RIAs – profissionais com a atribuição equivalente ao consultor CVM, com os quais o investidor americano optou por se relacionar”, pontuou Cristiane Reis, presidente da ABCVM. 

“Existe a consciência que o serviço de intermediação e distribuição feito pelas instituições, corretoras, especialistas e assessores sempre foi pago. O que a CVM 179 traz é a evidência disso. Quanto ao modelo de cobrança, o investidor optará conforme o serviço que ele recebe”, complementou ela 

André Arantes, diretor da EQI Investimentos, não acredita em uma mudança de cenário na opção dos investidores, já que para ele, a clareza e transparência na relação sempre foi uma exigência do mercado, com ou sem CVM 179. “O principal dentro da relação é você entender o objetivo do cliente, entender o perfil dele. E aí você ir levando oportunidades dentro desse modelo atual de distribuição que vão fazer sentido. E dentro da plataforma tem milhares. O assessor tem que focar no longo prazo, numa construção de relação de confiança do cliente, que é o negócio mais legal do nosso trabalho”, pontuou. 

Desafios de implementação 

Embora a CVM 179 represente um avanço importante, a sua implementação traz desafios. Em alguns casos, será necessário investir em tecnologia e adaptar os sistemas de contabilidade e gestão de dados para dar conta das exigências de divulgação em tempo real e com alto nível de precisão. Se a transparência é a soma, a extinção do conflito de interesses pode ser definida como o produto. Francisco Amarante, superintendente da ABAI, é quem define. “É importante uma certa imparcialidade ao tratar o tema ‘educação financeira’ para que ele não se confunda com indução financeira, onde as pessoas estão mais interessadas em catequizar o outro pela sua preferência e não necessariamente educá-la de forma imparcial. Um bom tema para entendermos o que afinal é o conflito de interesses”.

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