Um verão em ritmo de festa – Carta Mensal Jul/23 | TAG Investimentos

O verão vai se desenrolando no hemisfério norte, número recorde de voos, lugares lotados e temperaturas extremamente quentes. Nos mercados globais, o clima também é de festa, inflações (cheias) em queda, bancos centrais querendo sinalizar o fim do processo de subida de juros e os mercados de risco em sua marcha para o alto, sem fazer muita conta de prêmios e de remunerações de risco.
O quadro abaixo, dá uma boa noção do sentimento “risk on” em praticamente todas as geografias e classes de ativos.

Em termos de indicadores macro, o mês foi marcado por desinflação nos principais blocos, ainda que as taxas núcleo continuem altas e com os respectivos mercados de trabalho apertados. Quando olhamos o famoso efeito base, vemos que nos Estados Unidos, por exemplo, o melhor em termos de inflação acumulada nos últimos 12 meses, pode ter ficado para trás, e agora necessitaremos de inflações mensais sempre na casa de 0,1% ao mês para que a inflação anual fique nos atuais 3%. Em termos de inflação núcleo, que é o que os BC´s (Bancos Centrais) olham nas suas decisões de Política Monetária, temos 3 fotos distintas, US em uma lenta convergência, EU sem sinal de melhorias e UK piorando, como o gráfico abaixo nos mostra.

As inflações núcleo são relacionadas ao custo de mão de obra que, por sua vez, depende do mercado de trabalho. No próximo gráfico, vemos a relação de vagas em aberto para cada americano desempregado e como isso fala com o indicador de reajustes salariais do FED de Atlanta. Sim, está melhorando lentamente, mas ainda temos muitos ajustes a serem feitos no mercado de trabalho (desemprego) para que o ritmo de reajustes caia para algo condizente com a meta de inflação de 2% aa. Os reajustes salariais ainda estão rodando acima de 5% ao ano.

A teoria do soft landing é o equivalente a fazer uma omelete sem quebrar os ovos, cremos que o ajuste desinflacionário passa, obrigatoriamente, por um aumento do desemprego, o que é provocado em alguma medida por uma recessão. A primeira parte do processo desinflacionário (preços de commodities e cadeia de suprimentos) foi a mais fácil, a segunda parte (custo de mão de obra e inflação núcleo) é mais lenta e difícil. Adicionamos nesse quadro, um mundo com bancos centrais extremamente alavancados e distorções geradas ao longo dos últimos anos por excesso de injeção de liquidez. Por isso, nos mantemos cautelosos na alocação.
Em termos de atividade, também vemos divergências importantes entre os 3 blocos: China com dados cada dia piores de atividade, assim como EU e UK, enquanto US tem surpreendido com um forte setor de serviços e também investimento, ainda que pese um setor de manufatura em contração.
No Brasil, estamos em recesso parlamentar, o que significa uma menor volatilidade de ruído político. Porém, os dados econômicos continuam saindo. Na margem, estamos com menor crescimento e também com números mais benignos de inflação, o que levou o mercado para apostas mais agressivas no que diz respeito a cortes de taxas de juros. Em termos macro, uma história parecida com o resto do mundo, taxas de desemprego nos comunicando com um pleno emprego, inflação de serviços ainda quente, um fiscal expansivo e BC´s no exterior ainda subindo juros, nos indicam que talvez o Brasil tenha um ciclo de cortes de juros menor do que o mercado espera. Hoje o mercado está com uma taxa de juros terminal de 9% ao ano, bem perto do que consideramos como uma taxa neutra.
Por aqui, tivemos algum ruído político causado pelo Executivo, com rumores de troca de comando na Vale, bem como na Petrobras e uma nomeação no IBGE que causou desconforto entre economistas e agentes de mercado. Isso deverá ser uma constante, afinal tivemos um novo governo eleito que, naturalmente, deseja implementar rapidamente sua agenda e prioridades. Esses movimentos tempestivos podem ser, em maior ou menor grau, evitados pelo Legislativo ou pelo Judiciário.
Falando de América Latina, começamos a ver um processo de desinflação e, também, de cortes de juros. No gráfico abaixo vemos as inflações (núcleo) de México e Chile em queda, bem como o BC Chileno já “raquetando” uma queda de 1% na última reunião. O México tem uma dinâmica inflacionária mais teimosa (e não está em recessão como o Chile), porém esperamos também um começo de corte de juros.

Em resumo, temos um quadro macro que tem se desenrolado, até que de forma benigna, pelo mundo, porém o jogo só termina quando acaba. Estamos entrando, de um modo geral, na fase mais difícil de desinflação, onde temos de ter queda nas inflações de serviços e mão de obra para que os BC´s possam alcançar as suas metas. É uma fase de fim de ciclo, onde os acidentes mais recessivos têm uma probabilidade maior de ocorrer. Os BC´s desenvolvidos ainda não terminaram o processo de alta de juros e muito menos falam em cortes de juros, ao contrário dos BC´s emergentes. Com isso teremos mais aperto e por mais tempo.
Nossa função, como alocadores de patrimônio, não é prever o futuro, esta tarefa deixamos para cartomantes e afins. Nossa missão é construir portfólios equilibrados, levando em conta o ciclo macroeconômico e a relação de risco e retorno em várias classes de ativos. Não sabemos se teremos um processo desinflacionário completo sem recessão, porém pensamos diuturnamente na construção de portfólios que se saiam bem na maior parte dos cenários possíveis.
Olhando os ativos de risco globais, entendemos que diante dos riscos envolvidos (uma inflação mais teimosa do que o precificado, guerra na Ucrânia escalando, questões militares em Taiwan, um Banco Central no Japão subindo juros e acidentes recessivos de fim de ciclo) não cremos que eles estejam nos remunerando adequadamente pelo risco corrido. Ao olharmos o prêmio de risco das ações nos US, vemos o menor prêmio em duas décadas, bem como prêmios magros para ações na Europa e crédito para US e EU. O gráfico abaixo mostra a magreza de prêmios na bolsa americana, quando a comparamos com a renda fixa soberana local.

Quanto aos ativos locais, entendemos que existe mais gordura para queimar em termos de valuation do que os ativos externos, porém reconhecemos a preponderância do humor externo em nossos preços, dado que somos um eterno aluno nota 5. Com isso, temos alocações mais neutras em Brasil, com predileção pelos ativos pós fixados (juro real ainda gordo), ativos de crédito isentos, ativos de crédito high grade e fundos multimercado, que nesse ambiente externo mais desafiador e assimétrico podem capturar bons prêmios, após meses de retornos magros. Já as nossas curvas de juros, não temos amores pelos pré-fixados, em especial os curtos, precificados para uma perfeição que talvez não venha. Enquanto os papéis de inflação, estamos mais reticentes nos vértices longos e mais enamorados dos vértices curtos (2026), pois tem operado com uma inflação implícita relativamente baixa (4.5%) para um mundo mais inflacionário e uma nova gestão no Banco Central após o fim de 2024. Isso tudo fica mais claro em nossos termômetros, que sofreram uma reformulação em sua estrutura. Em termos de BRL, achamos que posições compradas em USD/BRL começam a fazer sentido para uma composição/proteção de portfólio, neste nível ao redor de 4,80.
Abaixo listamos dois papers, do FED, como leitura complementar que nos falam sobre questões de longo prazo, a falta de trabalhadores nesse mundo pós pandemia (inflacionário) e o baixo retorno esperado para ações nas próximas décadas, pois teremos mais juros e mais impostos, dois fatores que ajudaram as ações nos últimos 30 anos.
Em resumo, não sabemos se esse verão festivo foi apenas um sonho, porém estamos preparados caso ele termine.
Paper Menos Trabalhadores: Missing Workers and Missing Jobs Since the Pandemic – Federal Reserve Bank of Chicago (chicagofed.org)
Paper Menores Retornos de Ações: The Fed – End of an Era: The Coming Long-Run Slowdown in Corporate Profit Growth and Stock Returns (federalreserve.gov)
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Sobre o colunista
André Leite possui mais de 25 anos de experiência como portfolio manager e trader para diversos bancos e assets. Passou por instituições como Banco Bozano, Simonsen, Banco Modal, Banco Santander, Maxima Asset Management, J. Safra Asset Management, Kairós Capital e Torana Investimentos. Hoje é Chief of Investment Officer da TAG Investimentos. Já recebeu prêmios como “Best Hedge Fund Manager – 1998” (Revista Exame e Lipper) e “Best Fixed Income Portfolio Manager – 2002” (Revista Investidor Institucional). É formado em Engenharia Elétrica pela UFRJ e possui MBA pela University of Michigan Business School.