Saindo do forno: um estudo de caso sobre conceitos de valuation
Nos meus 30 anos de mercado financeiro, criei um hábito de começar o dia por volta das 8 horas, lendo os principais veículos de mídia econômica e financeira.
Hoje, mesmo fora do mercado, mantenho esta rotina.
Ao abrir o Valor Econômico esta manhã, deparo com um artigo cujo título é “Com cortes de juros nos EUA a caminho, Ibovespa tem espaço para novos recordes”.
Os “especialistas” consultados sobre o tema do artigo concordam que a melhora do cenário externo tem sido o principal catalisador da recente alta da Bolsa.
Por outro lado, o artigo também reconhece que há incertezas relevantes, sobretudo as macroeconômicas.
Aqui eu chamo a atenção para as incertezas políticas e institucionais que continuam pairando como um risco relevante para o mercado.
Concordo que a melhora no sentimento do ambiente externo possa colaborar para a continuidade do movimento de alta da Bolsa local.
Mas, sem uma melhora nos fundamentos domésticos, seria esta alta sustentável?
Como a melhora do ambiente externo impacta o valor intrínseco das empresas brasileiras? (para a alta ser sustentável, devemos ter um aumento nas expectativas de valor para as empresas listadas em Bolsa, certo?).
Gosto sempre de abordar valuation como sendo o resultado de uma divisão:
No numerador, temos a geração do fluxo de caixa livre, que é o faturamento da empresa, deduzido dos custos, despesas e investimentos.
No denominador, temos o fator que trará os resultados futuros a valor presente. Este fator é o custo de capital da empresa, função principalmente dos riscos sistêmicos e específicos da empresa sendo avaliada, e de sua estrutura de capital.
Com exceção das empresas produtoras de commodities, a melhora no setor externo deve ter impacto neutro a levemente positivo nas empresas brasileiras.
Mesmo que a redução de juros nos EUA seja um gatilho para um ciclo de maior crescimento econômico global, como o Brasil é um país fechado para o comércio internacional, o impacto sobre o resultado agregado das empresas listadas é limitado.
Já no denominador, com a expectativa de queda da taxa livre de risco, podemos ter sim uma redução do custo de capital, tanto no custo de capital de terceiros como no custo de capital próprio.
A redução no custo de capital, caso seja sustentável, terá um impacto positivo importante sobre o valuation das empresas.
Entretanto, o questionamento de R$1 bilhão é:
Será a redução do custo de capital das empresas brasileiras sustentável?
Ou, em outras palavras, podemos assumir que uma redução de curto prazo no custo de capital possa ser mantida para o resto do período de projeção, incluindo também a perpetuidade?
É aqui que voltamos ao artigo do Valor que diz que as incertezas permanecem elevadas.
Portanto a resposta para o questionamento acima é:
Para sermos conservadores em nossos trabalhos de valuation, não deveríamos considerar uma eventual redução de custo de capital no curto prazo como sendo sustentável.
Então, Sérgio, você acha que a Bolsa já subiu muito e deve corrigir no curto prazo?
Eu acho que a Bolsa pode continuar a subir pois criou-se a expectativa de forte fluxo de investidores estrangeiros, reagindo à possível queda da taxa de juros nos EUA.
Entretanto, se não houver contrapartida de expectativas de aumento no valor esperado das empresas Brasileiras, acredito que a alta de curto prazo não será sustentável.
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Sobre o colunista
Sergio Goldman é colunista no Blog do Gorila e possui mais de 30 anos de experiência no mercado de capitais da América Latina com foco em Equity Research, Distribuição de Renda Variável e Wealth Management. Possui vasta experiência na venda de produtos de renda variável para investidores institucionais locais e estrangeiros, tendo trabalhado em instituições financeiras como Baring Securities, Bear Stearns, Santander, Unibanco e Safra. Desde junho de 2023 atua com gerenciamento de portfólios na Barra Peixe Investimentos. Entre 2019 e 2023 atuou como gestor do FIA Esh Prospera, e entre 2014 e 2016 contribuiu na coluna Palavra do Gestor do jornal Valor Econômico. Formado em Engenharia Eletrônica pela PUC-RJ, tem mestrado em administração na COPPEAD, escola de negócios da UFRJ.
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