Pesquisas eleitorais erraram? O que esperar do 2º turno?

Passado o primeiro turno e com os resultados em mão, é evidente que as pesquisas eleitorais dos principais institutos brasileiros subestimaram o volume de votos do atual presidente, Jair Bolsonaro, e superestimaram, em menor grau, a representatividade do ex-presidente Lula.
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Por Gustavo Maia - 17/10/2022
Atualizado em 15/12/2022
8 min de leitura

Enquanto a tendência apontada pelos principais institutos de pesquisa na véspera do primeiro turno foi capaz de capturar o movimento marginal de transferência de votos dos últimos colocados na corrida e de eleitores indecisos para dois candidatos à frente da disputa presidencial, as porcentagens deixaram a desejar.

O instituto que capturou com mais assertividade o resultado do primeiro turno foi o AtlasIntel, único a utilizar o questionário inteiramente via web, e, mesmo assim, ainda subestimou os votos de Jair Bolsonaro.

DataFolhaIpecQuaestAtlasIpespeMDAResultado 1º Turno
LULA50,550,54950,347,948,348,4
BOLSONARO35,836,63841,134,439,743,2
TEBET6,35,462,66,34,74,2
CIRO5,35,453,97,34,93

Discrepâncias no primeiro turno

O que explica a discrepância entre as pesquisas eleitorais e os resultados observados no 1º turno das eleições presidenciais brasileiras?

Enquanto não há uma resposta exata para a pergunta acima, muitas possibilidades já foram levantadas, algumas mais plausíveis que outras.

Mesmo antes das eleições, a eventualidade de problemas metodológicos já era levantada, muito em razão do apagão estatístico verificado nos últimos anos pelo adiamento do censo de 2020 e 2021, além da adoção da PNAD Contínua como ferramenta de medição da distribuição amostral do eleitorado brasileiro.

Esse problema se verificou parcialmente verdadeiro, com a grande dificuldade apresentada pelos institutos em medir, principalmente, o eleitorado de direita brasileiro. 

A defasagem do Censo, estudo mais relevante para o entendimento da realidade socioeconômica brasileira, cujos últimos dados são referentes a 2010 em razão da pandemia e do corte de gastos do governo federal, impede, por exemplo, que os pesquisadores tenham a compreensão da expansão do grupo de evangélicos na população brasileira. Ainda, a utilização da PNAD Contínua de 2021 impede que a mobilidade de renda promovida pela instituição do Auxílio Brasil seja observada.

Frente à onda de contestações aos institutos e aos resultados após as eleições, muitos pesquisadores se prontificaram a apontar como principal razão a migração dos votos de Ciro Gomes e Simone Tebet e de eleitores indecisos para Bolsonaro, de última hora, não sendo possível, às pesquisas, antecipar essa fotografia. Embora a transferência de votos na busca pelo “voto útil” seja crível, é ingenuidade imaginar que 7 milhões de brasileiros trocaram seus votos no momento da votação.

Inclusive, além da maioria das pesquisas eleitorais subestimar a expressividade de Bolsonaro, grande parte delas também superestimou os votos do ex-presidente Lula, colocando-o como vencedor já em primeiro turno.

Em nota técnica publicada pelo AtlasIntel, ainda em 2021, o instituto demonstrou que as pesquisas realizadas pelo Datafolha sistematicamente sobre-estimaram a aprovação do governo Bolsonaro ao longo da pandemia, principalmente após as demissões dos ministros Luiz Henrique Mandetta e Sérgio Moro, quando foram comunicados avanços na aprovação do atual presidente.

Uma das hipóteses levantadas para a dificuldade das pesquisas do Datafolha espelharem a realidade está exatamente na distribuição amostral. Segundo o Atlas, a distribuição amostral escolhida pelo instituto não é representativa do perfil do eleitorado brasileiro por faixa de renda. 

Enquanto a PNAD Contínua apontava para 37% da população recebendo até dois salários mínimos, o Datafolha encontrou, no mesmo segmento da população, uma representação superior a 50%, gerando uma super representação do eleitorado mais pobre, conjuntamente mais inclinado a votar no ex-presidente Lula, enquanto os demais níveis socioeconômicos foram sub-representados.

Outra explicação interessante para os resultados díspares atingidos pelas pesquisas eleitorais é o voto envergonhado, conceito no qual os eleitores escondem suas preferências de voto até as eleições. Em um contexto de extrema polarização, no qual muitos se sentem desconfortáveis de revelar seus votos, com medo de sofrerem até danos físicos, é esperado que alguns aguardem até a urna para se posicionar. Ainda, o movimento de rejeição e descredibilização dos institutos de pesquisa, fenômeno presente principalmente na extrema-direita e observado ao redor do mundo, pode levar muitos eleitores bolsonaristas a não responder os questionários.

Um agravante para o voto envergonhado é a realização dos questionários pessoalmente ou por telefone, recaindo no viés de interação. Eleitores podem se sentir mais inibidos de revelar suas preferências quando confrontados por outras pessoas ou, ainda, aqueles indecisos podem mudar de posicionamento a depender do contexto da entrevista (se a pesquisa é realizada por homens ou mulheres…).

Outro problema enfrentado pelas pesquisas presenciais, como é o caso do Datafolha, é a falta de representatividade do perfil do público que frequenta os pontos de fluxo visitados pelos entrevistadores. No caso, há mais chances de se encontrar respondentes de baixa renda do que eleitores com maior poder aquisitivo, gerando um viés de seleção nos dados, uma vez que a pesquisa não é calibrada por renda. Os únicos institutos que realizaram calibragem amostral por faixa de renda no Brasil foram o AtlasIntel e a Quaest.

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Uma vantagem da realização das pesquisas presenciais, no entanto, é a diminuição da não resposta, o que também simplifica o processo de calibragem amostral.

Um terceiro motivo para os erros das pesquisas é, enfim, o voto útil. A conversão de votos para os candidatos melhor colocados nas pesquisas, a fim de antecipar o resultado de um eventual segundo turno, pode ser um fator de destaque na mudança de votos. Ainda, a menor participação do eleitorado mais moderado, que poderia favorecer Lula, contra um público mais engajado, como bolsonarista ou petistas, é um fator de atenção.

Engajamento nas redes importa?

Em monitoramento realizado pela Folha de São Paulo, foram acompanhados os desempenhos de candidatos à presidência, ao governo de sete estados e à Câmara na internet, através do Índice de Popularidade Digital, elaborado pela Quaest. O índice mede, através de inteligência artificial, a popularidade dos perfis nas redes por meio da presença digital, fama, engajamento, mobilização, valência e interesse.

Os resultados obtidos através do acompanhamento se aproximaram bastante dos resultados das urnas, atingindo 99% de correlação nas eleições presidenciais. O índice foi capaz de antever a menor vantagem de Lula em relação a Bolsonaro e a liderança de Tebet a Ciro. 

Quais são as principais diferenças entre os institutos de pesquisa?

Embora grande parte dos processos realizados pelos institutos sejam análogos, as diferenças metodológicas aplicadas devem explicar os diferentes resultados atingidos. O que é comum às pesquisas eleitorais são os primeiros estágios de seleção.

No primeiro estágio, sorteiam-se os municípios que comporão o levantamento, a partir do método PPT (Probabilidade Proporcional ao Tamanho), em função da população acima de 16 anos residente nas localidades. 

Em um segundo momento, também se realiza um sorteio probabilístico, pelo mesmo método abordado acima, a fim de decidir os setores censitários onde as entrevistas serão realizadas. A partir da terceira etapa, os institutos começam a divergir.

O terceiro estágio é referente a seleção dos respondentes, sobre os quais são aplicadas cotas amostrais representativas da população em função de uma série de variáveis. Das principais pesquisas escolhidas para esse artigo (Datafolha, Ipec, Quaest e Atlas), todas utilizam para a seleção de seus respondentes os critérios de sexo, faixa etária e escolaridade, a partir dos dados fornecidos pelo TSE (2022), PNAD Contínua (2019/2021) e Censo do IBGE (2010).

O Ipec também utiliza o nível econômico (se a pessoa é economicamente ativa ou não) para a seleção dos entrevistados, mas a ponderação dos resultados, em caso de discrepância entre a amostra escolhida e o perfil da coleta, só é corrigida para as variáveis de sexo e idade.

O Datafolha corrige seus resultados também para as variáveis de região geográfica e escolaridade, para além de sexo e idade, e utiliza a distribuição observada em seus levantamentos anteriores para a faixa de renda do entrevistado, o que infla a população de baixa renda, como mencionado anteriormente.

A pesquisa da Quaest, adicionalmente, utiliza como variável de seleção a renda domiciliar do entrevistado, obtida através dos dados da PNAD Contínua, e calibra a amostra para sexo, idade, renda domiciliar e escolaridade.

Igualmente, a pesquisa da Atlas também utiliza para a calibragem amostral a renda domiciliar, além do voto em eleições passadas, o recebimento do Auxílio Brasil e o perfil geolocalizado dos entrevistados, posto que não realiza controle antes de receber os dados.

Ao mesmo tempo que o Ipec utiliza entrevistas pessoais, a Quaest também realiza entrevistas domiciliares e o Datafolha posiciona seus entrevistadores em pontos de fluxo populacional. 

Alguns institutos, como o PoderData ou Ipespe, realizam as pesquisas por meio de ligações telefônicas (automatizadas no caso do PoderData), método bastante aplicado ao longo da pandemia, enquanto o AtlasIntel utiliza o questionário inteiramente via web, metodologia amplamente utilizada ao redor do mundo.

O diferencial das pesquisas via web, embora necessite de uma calibragem amostral mais robusta a fim de comportar todos os grupos da população, inclusive aqueles sem acesso à internet, é a agilidade e o volume de dados coletados, afora a redução do problema do voto envergonhado.

Outras diferenças presentes nas pesquisas estão em seus questionários. Enquanto Ipespe, Ipec, Quaest e DataFolha não associam os candidatos a seus respectivos partidos, as pesquisas da Atlas e Big Data, por exemplo, sinalizam a sigla do partido ao lado do nome do candidato. 

Da mesma forma, a Atlas e o DataFolha inserem as perguntas de intenção de voto no início dos questionários, ao passo que as demais iniciam com perguntas sobre o perfil demográfico dos entrevistados.

Dá para acreditar nas pesquisas eleitorais do segundo turno?

Se as pesquisas falharam em capturar os eleitores no 1º turno, podemos acreditar no que projetam para o 2º turno? 

Apesar da descrença, em parte com razão, nos resultados das pesquisas do primeiro turno, até pela falta de um mea culpa e explicações mais críveis por parte dos institutos, o segundo turno se dá em um ambiente completamente diferente.

Enquanto, não apenas nesse, mas nos dois últimos ciclos eleitorais, os estudos têm apresentado dificuldades em fotografar com precisão o eleitorado brasileiro no primeiro turno, os principais institutos brasileiros acertaram os últimos resultados de segundo turno com rigor.

DataFolhaIbopeMDAResultado do 2ºT 2014
Dilma52,253,350,351,6
Aécio47,846,749,748,4
DataFolhaIbopeMDAResultado do 2ºT 2018
Bolsonaro54,753,456,755,1
Haddad45,446,643,344,9

O segundo turno ocorre em um contexto mais simplificado, sem a ação do voto útil, com apenas dois candidatos na disputa. Embora haja mobilidade no perfil do eleitorado brasileiro entre os dois turnos da eleição, principalmente quando se trata da mobilidade dos que se abstiveram, as pesquisas deverão se debruçar e utilizar o resultado do primeiro turno como uma base capaz de traçar com exatidão o perfil do eleitorado brasileiro, a fim de ajustar suas metodologias.

Ainda, há novos modelos em jogo para essa segunda etapa da corrida eleitoral que valem a sua atenção. A Quaest passou a publicar sua pesquisa do segundo turno aplicando o modelo de likely voter, a fim de entender os padrões de abstenção e melhorar a estimação das pesquisas eleitorais.

O modelo consiste na construção de um subconjunto mais representativo de eleitores, que possuam maior inclinação para comparecerem nas urnas no dia 30 de outubro. O estudo pondera o resultado da pesquisa pela probabilidade do eleitor votar através de uma série de variáveis relacionadas ao comparecimento no primeiro turno, histórico eleitoral, interesse nas eleições, conhecimento sobre o local de votação e intenção de voto, combinando com as estimativas já conhecidas do eleitorado brasileiro.

A Fundação Getúlio Vargas também elaborou um estudo recente, aplicando um modelo preditivo para o segundo turno das eleições presidenciais brasileiras baseado em evidências de 128 eleições internacionais, além de 287 corridas subnacionais, resultando em forte relação positiva entre o resultado do primeiro turno e o resultado final das eleições.

Por fim, acompanhar as pesquisas eleitorais que melhor projetaram a distribuição dos eleitores no primeiro turno e se atentar aos ajustes de metodologia dos institutos tradicionais renomados que se afastaram dos resultados pode ser um bom caminho.

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