Paixões, negócios e oportunidades se encontram no… Futebol

Clubes de futebol, conforme empresas estatais, tem obstáculos crônicos para gerir de maneira eficiente seus negócios. A história mostra como os 2 grupos sofrem com uma gestão ultrapassada e mais importante, com a interferência política de seus administradores.
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PorSérgio Goldman - 02/12/2024
6 min de leitura

Esse é o meu 90º artigo semanal para o blog do Gorila. É bastante coisa né? Por isso, me dei o direito de escrever sobre minha principal paixão fora da minha família: o futebol e mais especificamente o Flamengo.

Mas não é um artigo sobre esportes, apesar de ser impossível não abordar aspectos ligados ao lado esportivo do futebol.

As principais mensagens que busco transmitir nestes breves parágrafos têm a ver com negócios e investimentos.

Mas me permita introduzir o tema, falando de paixões.

Vocês conhecem a série “Welcome to Wrexham”, que pode ser assistida no Disney+?

Mesmo aqueles que não gostam de futebol devem assistir. Contém exemplos explícitos de como um clube de futebol consegue gerar paixões imensas nos moradores de uma cidade de apenas 43.000 habitantes.

A série tem 3 temporadas e se concentra no período que começa em 2021, após o Wrexham F. C. ter sido adquirido por 2 atores Norte Americanos: Ryan Reynolds (famoso por seu papel em Deadpool) e Rob McElhehney.

Quando os 2 atores assumiram o clube, o Wrexham F.C. estava na 5ª Divisão do futebol inglês e pior, estava nesta situação há 15 anos.

Passados 3 anos, hoje, o Wrexham F.C. está na 2ª colocação na chamada League One, o equivalente à 3ª divisão. Portanto, tem boas chances de subir para a Championship, a 2ª divisão do futebol inglês, na próxima temporada.

O que mais me toca na série é a paixão que o clube exerce sobre os moradores da cidade. Olhando essa relação time-comunidade, vemos de fato o que é um negócio voltado também para gerar impacto positivo sobre a cidade e sua população.

Um exemplo deste impacto é o aumento considerável de turistas internos e de outros países que passaram a visitar Wrexham após o lançamento da série.

Quem seria o Wrexham brasileiro?

Tenho um candidato: o Mirassol F. C. que acaba de subir para a série A do Brasileirão.

A cidade de Mirassol tem 63.000 habitantes aproximadamente. Seu estádio tem capacidade para apenas 15.000 torcedores, portanto bem pequeno para times da Série A. O clube ainda não se tornou SAF, Sociedade Anônima de Futebol.

Mas imagino que a presença do time na Série A em 2025 deva estar mexendo com os corações da população, mesmo daqueles que não são ligados em futebol.

Mas acho que está mais do que na hora de falarmos de negócios e oportunidades ligados ao futebol.

As SAFs vieram para sacudir a estrutura de administração nos clubes de futebol que historicamente, na média, vinham apresentando problemas sérios de qualidade de gestão.

Com a opção de se tornarem SAF, os clubes podem impactar de forma significativa a qualidade da gestão do futebol, gerando oportunidades e possibilidade de criação sustentável de valor para seus stakeholders.

Desde que a Lei das SAFs foi promulgada, 63 clubes decidiram aderir ao modelo.

Sou totalmente a favor de um clube se tornar SAF.

Gostaria de mencionar o artigo escrito pela economista, advogada e grande torcedora do Botafogo Elena Landau, publicado no jornal O Estado de São Paulo em 22/11/24. Nele, a autora compara a transformação de clubes em SAF à privatização de empresas estatais.

Concordo com a comparação; clubes de futebol, conforme empresas estatais, tem obstáculos crônicos para gerir de maneira eficiente seus negócios. A história mostra como os 2 grupos sofrem com uma gestão ultrapassada e mais importante, com a interferência política de seus administradores.

Portanto, se transformar em SAF é necessário, apesar de não ser suficiente.

E por que não é suficiente? Porque é necessário também selecionar um time com conhecimento e experiência na gestão do futebol profissional e infelizmente, a quantidade de profissionais com estas competências hoje no mercado ainda é limitada.

Em outras palavras, a transformação em SAF não é uma panaceia. Como em qualquer empresa, sem qualidade de gestão a SAF irá sofrer e pode ir para o buraco da mesma maneira que empresas de outros setores são impactadas por má gestão.

Algumas das iniciativas que se implantadas aumentam a chance de sucesso em uma SAF:

  1. Criação de um Conselho de Administração formado por pessoas que juntas, tenham as competências necessárias para colocar a empresa (SAF) na rota de criação sustentável de valor para seus stakeholders;
  2. Profissional responsável pelo scout isto é, seleção e monitoramento de desempenho dos jogadores, de altíssima qualidade;
  3. CEO da SAF precisa entender de futebol, além de ter todas as demais competências que um CEO de empresas de qualquer setor precisa ter;
  4. Isolar as tomadas de decisão de qualquer tipo de ingerência política;
  5. Ser bastante criterioso antes de admitir investidores no capital da SAF;
  6. Criar métricas que permitam medir o retorno esportivo dos investimentos feitos pela SAF.

Refletindo em retorno sobre investimentos no esporte e sobre SAFs, não posso deixar de opinar sobre a eleição para Presidência do Flamengo, marcada para 9/12.

Conceitualmente, o ROI esportivo do investimento no futebol é uma divisão onde no numerador temos os títulos conquistados e demais objetivos alcançados e no denominador temos o volume de recursos investidos.

Desde 2019, o Flamengo conquistou uma série de títulos relevantes, a saber: 2 campeonatos Brasileiros, 2 Libertadores e 2 Copas do Brasil (Carioca na minha visão não conta).

Pensando na divisão, o clube tem no período um numerador parrudo. Mas o denominador também é parrudo, dado o volume de recursos investidos nas contratações de jogadores, salários etc.

Eu diria que o retorno esportivo do Flamengo desde 2019, deveria ter sido maior, dado o volume de recursos que são alocados anualmente na estrutura do futebol.

Exemplo de qualidade questionável do investimento é a recente contratação do Argentino Carlos Alcaraz; Flamengo pagou 19 Milhões de Euros ao Southhampton da Inglaterra, maior contratação da história do clube, o jogador é reserva e quando entra seu desempenho médio tem sido no máximo ok.

O que mais me surpreende nesta eleição é que nenhum dos 3 candidatos defende a criação de uma SAF.

O curioso no debate de SAF do Flamengo são as duas principais justificativas dadas por aqueles contrários à sua criação:

  1. Não vamos entregar o clube para investidores; “… o Flamengo é da sua torcida”

Curioso pois hoje a torcida não participa da gestão e as decisões são tomadas de forma amadora pelos gestores amadores do clube;

  • O Flamengo é um clube rico; não precisa de investidor.

Poderia ser ainda mais rico se tivesse uma diretoria profissional, utilizando as melhores práticas de gestão do esporte, com uma estrutura de governança corporativa que blindasse os administradores de pressões políticas. Além disso, com vários clubes se tornando SAF, fato que potencialmente aumenta a competição por retorno esportivo e financeiro, o clube estará ainda mais pressionado por buscar uma gestão de alta qualidade.

Esse argumento me lembra aqueles que dizem que não se deve privatizar empresas estatais que dão lucro.

É um argumento míope pois: a) é uma decisão de alocação de capital já que os recursos levantados com a privatização da estatal devem ser usados de forma a resolver problemas da sociedade ou reduzir o endividamento do estado, b) lucro não é necessariamente o melhor indicador de sucesso financeiro; a empresa pode dar lucro, mas ter rentabilidade baixa comparada com a da concorrência.

Um comentário final sobre investimentos no futebol:

Tenham em mente que o tema investimentos em futebol é novíssimo no país. Portanto temos poucos profissionais preparados e pouquíssimos investidores com experiência no setor. Quando pensamos em investidores estrangeiros investindo em SAF, estes possuem experiência no tema, mas a maioria não tem vivência com o ambiente de negócios no Brasil, que como dizia Tom Jobim lá atrás, “não é para amadores”

Leia também:
O país das balas de prata

Sobre o colunista

Sergio Goldman é colunista no Blog do Gorila e possui mais de 30 anos de experiência no mercado de capitais da América Latina com foco em Equity Research, Distribuição de Renda Variável e Wealth Management. Possui vasta experiência na venda de produtos de renda variável para investidores institucionais locais e estrangeiros, tendo trabalhado em instituições financeiras como Baring Securities, Bear Stearns, Santander, Unibanco e Safra. Desde junho de 2023 atua com gerenciamento de portfólios na Barra Peixe Investimentos. Entre 2019 e 2023 atuou como gestor do FIA Esh Prospera, e entre 2014 e 2016 contribuiu na coluna Palavra do Gestor do jornal Valor Econômico. Formado em Engenharia Eletrônica pela PUC-RJ, tem mestrado em administração na COPPEAD, escola de negócios da UFRJ.

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