O arcabouço fiscal e seus impactos sobre o mercado de ações
O mercado (e a economia) é um sistema complexo onde um número grande de variáveis interagem e os resultados destas interações impactam seu desempenho.
Portanto, não adianta focar em um ou dois eventos apenas para se definir um cenário mais provável para seu desempenho.
Atualmente no mercado só se fala sobre o novo arcabouço fiscal.
O consenso parece ser que:
- É positivo termos uma regra fiscal mesmo que essa regra esteja longe ideal;
- É necessário se ter mais detalhes sobre o funcionamento das novas regras antes de se chegar a uma conclusão sobre quão efetivo será esse novo arcabouço, e,
- Para que cheguemos aos resultados apontados pela equipe econômica na exposição inicial sobre o arcabouço será necessário haver um aumento considerável na carga tributária.
Considerando os três pontos aqui mencionados, como deveria ser a reação do mercado de ações à aprovação das novas regras fiscais?
Do ponto de vista de valuation, o principal vaso comunicante entre política fiscal e valor justo de uma empresa é a taxa livre de risco (TLR).
Digo que a TLR é o principal vaso comunicante já que acredito haver também relação entre o prêmio de risco do mercado de ações (equity risk premium) e uma melhor visibilidade do cenário macro (que um arcabouço fiscal crível proporcionaria).
Por ora, vamos assumir o impacto apenas na TLR…
A taxa livre de risco é a taxa que proporciona ao investidor risco zero de crédito e de reinvestimento. Portanto, precisa ser uma taxa de longo prazo.
A taxa de 10 anos de um título do Tesouro Brasileiro está hoje próxima a 12,9% ao ano.
Vamos calcular o valor de uma perpetuidade de R$100 milhões por ano, com a TLR de 12,9%, prêmio de risco do mercado de ações de 6,0% e crescimento perpétuo de 5% ao ano.
Neste cenário, o valor presente do fluxo perpétuo é de:
VP = 100 / ((12,9% + 6%) – 5%) = 100/13,9% = R$719 Milhões.
Agora, vamos assumir que o arcabouço fiscal seja bem recebido pelo mercado é a taxa de 10 anos caia para 11,0% ao ano.
Neste caso, mantendo iguais as demais variáveis, o valor da perpetuidade subiria para R$833 Milhões, 16% acima do valor assumindo o nível atual da TLR.
Ressalto aqui que este é apenas um exercício chamando a atenção de como uma melhoria no cenário macro tem impacto relevante no mercado de ações.
Reforço também que, no mundo real, como mencionado no início deste artigo, muitas outras variáveis serão impactadas diretamente pela política fiscal e indiretamente pelas suas correlações.
Adicionalmente à queda da TLR, temos que analisar o impacto de um possível aumento de carga tributária sobre o mercado de ações.
Neste caso, mesmo que não haja aumento direto sobre o imposto das empresas de capital aberto, o aumento de carga tributária tende a reduzir ainda mais as expectativas de crescimento da economia brasileira; menor expectativa de crescimento leva a queda de preço das ações.
A carga tributária no Brasil já é muito elevada; aproximadamente 10 pontos percentuais maior que a carga média em países de renda similar.
Nos últimos anos, para se evitar mexer em vespeiro e reduzir agressivamente os gastos públicos, os governos tem preferido aumentar impostos.
Essa estratégia tem sido uma das principais razões para o Brasil não crescer de forma sustentável, a níveis elevados.
Sobre o colunista
Sergio Goldman é colunista no Blog do Gorila e possui 30 anos de experiência no mercado de capitais da América Latina com foco em Equity Research, Distribuição de Renda Variável e Wealth Management. Possui vasta experiência na venda de produtos de renda variável para investidores institucionais locais e estrangeiros, tendo trabalhado em instituições financeiras como Baring Securities, Bear Stearns, Santander, Unibanco e Safra. Desde 2019 atua como gestor do FIA Esh Prospera. Entre 2014 e 2016 foi contribuidor da coluna Palavra do Gestor no jornal Valor Econômico. Formado em Engenharia Eletrônica pela PUC do Rio Janeiro, tendo mestrado em administração na COPPEAD, escola de negócios da UFRJ.
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