Fatos e falácias da política, da economia e das finanças

No Brasil de 2024, onde temas complexos são discutidos de forma superficial nas mídias sociais e “especialistas” com limitado conhecimento nestes temas se tornam “professores”, a disseminação de falácias está no nosso dia a dia.
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PorSérgio Goldman - 14/10/2024
4 min de leitura

Peguei emprestado o título de um livro do economista Thomas Sowell para o nomear este artigo. Publicado inicialmente em 2011, o título do livro de Sowell é “Economic Facts and Fallacies”, traduzido como “Fatos e falácias da economia”.

Sowell narra no livro diversas situações em que dados e conceitos da economia são usados de forma tendenciosa para criar sensos comuns de interesse de um certo grupo.

O autor argumenta também que muitas vezes as falácias são construídas de maneira que elas mantenham alguma plausibilidade. Entretanto, a probabilidade desta plausibilidade se materializar é baixa.

No Brasil de 2024, onde temas complexos são discutidos de forma superficial nas mídias sociais e “especialistas” com limitado conhecimento nestes temas se tornam “professores”, a disseminação de falácias está no nosso dia a dia.

Análises de maior qualidade conseguiriam desconstruir grande parte das tais falácias. Entretando, muitas vezes, o comportamento de manada parece indicar que, mesmo que se mostre que 2 mais 2 é igual a 4, a sociedade prefere acreditar que 2 mais 2 é de fato 5.

Alguns exemplos de falácias que escutamos frequentemente no nosso dia a dia; começando com uma falácia na política:

Falácia 1: A eleição em segundo turno é uma nova eleição.

Semana passada, ao fim da apuração dos resultados da eleição municipal, escutei bastante esta frase, vinda de políticos, jornalistas e analistas políticos. Mas acho que ela não se sustenta de pé.

Vamos pegar uma situação na qual um candidato vai para o segundo turno com 40% dos votos válidos e o outro candidato em 2º turno tenha 30% dos votos válidos. Acho que podemos afirmar que, com alta probabilidade, o candidato-líder irá sair de um patamar de 40% no 2º turno. Existe a possibilidade de um candidato perder votos entre o primeiro e segundo turnos? Existe, mas havemos de concordar que esta probabilidade é bem baixa e que precisaria ocorrer um fato novo para que isso acontecesse.

Falácia 2: O Brasil tem tudo para se tornar uma potência da economia verde

Faz pelo menos 3 anos que escutamos esta afirmação vinda de políticos, economistas e muitas empresas renomadas de consultoria. Passados quase 2 anos do atual governo, muito se fala, mas eu particularmente não vejo movimentos relevante na direção de se tornar esta potência.

O Brasil tem sim alguns atributos importantes para atingir o objetivo desejado. Por exemplo, a cultura de investir em energias renováveis, quantidade de recursos naturais que, se bem trabalhados, trarão vantagens comparativas importantes em investimentos verdes e um desejo de boa parte da sociedade de viabilizar a trajetória na direção de potência verde.

Entretanto, temos pelo menos três desafios que há anos tem inibido investimentos em qualquer área no país: a) a volatilidade do cenário macroeconômico que reduz a previsibilidade do resultado dos investimentos, b) a falta de conforto com a segurança jurídica e c) a demora para se estruturar arcabouços regulatórios que facilitem a atração de investimentos.

Falácia 3: Lucro líquido é a melhor métrica para se medir o desempenho financeiro de uma empresa

Basta estudar um pouco conceitos de finanças corporativas que ficará claro que existem algumas métricas mais adequadas que o lucro líquido.

O lucro líquido é frequentemente impactado por itens não recorrentes e /ou por itens que não impactam a geração de caixa. Por isso, acredito não ser a métrica mais adequada de desempenho financeiro.

Eu menciono aqui 2 métricas mais adequadas: geração de fluxo de caixa livre e o “Economic Value Added”, conhecido como EVA.

Falácia 4: A melhor estratégia para se investir em ações é buscar boas pagadoras de dividendos

Um retorno de dividendos (dividend yield) de 12% é considerado bem atraente e bem difícil de ser alcançado.

Mas se esse for o retorno total de uma ação no período de 1 ano, você consideraria este retorno atraente?

Não deveria.  Para um investidor racional, ao investir no mercado de ações no Brasil em 2024, seu retorno esperado será maior que esses 12%.

Portanto, a variação no preço da ação, na grande maioria dos casos, é fator mais importante do que os dividendos para a formação do retorno total requerido pelo investidor.

Já falei em outro artigo que brasileiro tem fetiche por dividendos. Existe a percepção que pagar dividendos torna a tese de investimentos da empresa menos arriscada. Essa é uma visão simplista já que a decisão de quanto distribuir em proventos faz parte do complexo processo de alocação de capital.

O antídoto para não se deixar influenciar por falácias é desenvolver pensamento crítico e questionar pressupostos que venham até de pessoas consideradas especialistas de renome já que, estas pessoas também erram.

Leia também:
A análise de cenários dentro das empresas brasileiras

Sobre o colunista

Sergio Goldman é colunista no Blog do Gorila e possui mais de 30 anos de experiência no mercado de capitais da América Latina com foco em Equity Research, Distribuição de Renda Variável e Wealth Management. Possui vasta experiência na venda de produtos de renda variável para investidores institucionais locais e estrangeiros, tendo trabalhado em instituições financeiras como Baring Securities, Bear Stearns, Santander, Unibanco e Safra. Desde junho de 2023 atua com gerenciamento de portfólios na Barra Peixe Investimentos. Entre 2019 e 2023 atuou como gestor do FIA Esh Prospera, e entre 2014 e 2016 contribuiu na coluna Palavra do Gestor do jornal Valor Econômico. Formado em Engenharia Eletrônica pela PUC-RJ, tem mestrado em administração na COPPEAD, escola de negócios da UFRJ.

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