Uma visão não-consensual da importância das temporadas de divulgação de resultados trimestrais

O jornal Valor Econômico publicou na manhã desta 2ª feira um artigo com o título: “Como traduzir a temporada de balanços para o investidor”
Em cima da ideia desse artigo, gostaria de buscar desconstruir alguns conceitos e atitudes relacionadas a como o mercado encara uma temporada de resultados.
Quem segue meus artigos há algum tempo já deve ter lido que, ao contrário da vasta maioria do mercado, eu considero exagerada a importância dada à divulgação de resultados trimestrais.
Antes que alguém argumente: “… poxa Sérgio, mas a vasta maioria dos agentes de mercado dedicam grande parte do seu tempo a analisar o resultado das empresas…” eu deixo algumas reflexões:
Apesar daqueles que consideram a divulgação de resultados menos importante do que realmente é serem minoria, existem algumas iniciativas interessantes nos EUA como por exemplo a criação da Long Term Stock Exchange, criada por Eric Ries, que nos trouxe o conceito de lean startup, onde empresas não divulgam resultados trimestrais;
Analisar os resultados de uma empresa no passado recente claro que é relevante. Entretanto, o foco da análise deve ser a busca por sinais concretos de que a empresa está seguindo a contento a estratégia de longo prazo definida pela administração.
Portanto, o enfoque da análise deveria ser diferente do enfoque atual no qual analistas, investidores e as próprias empresas privilegiam a discussão de variáveis de curto prazo e evitam qualquer discussão que envolva aspectos estratégicos e de longo prazo.
Eu fui analista por muitos anos e gestor de fundo de ações por alguns anos. Sempre me incomodou essa ênfase em discutir variáveis que impactem o resultado de curto prazo, mas que dizem pouco sobre a qualidade da implementação da estratégia estabelecida.
Por isso acho bastante contraditório quando eu vejo um analista ou mesmo um gestor que está preocupado com o resultado trimestral e que ao mesmo tempo, define o preço-justo de uma ação com base no método do fluxo de caixa descontado (FCD) no qual trazemos a valor presente os resultados da empresa a partir da data de análise até o longuíssimo prazo.
Essa contradição entre resultados trimestrais e FCD não é apenas conceitual; simulem o impacto de um ou dois trimestres no valor da empresa definido pelo FCD. Esse impacto é mínimo.
Voltando ao artigo do Valor, vale alguns comentários:
O artigo deixa subentendido que muitas vezes os analistas do sell side (corretoras, bancos de investimentos e casas de research independente) ficam sobrecarregados durante a temporada de resultados. Isso é a pura verdade; por algo como 2 meses, em vez de pensar em ideias de investimentos que resultem em ganhos de longo prazo significativos para seus clientes investidores, os analistas viram a noite para descrever algo que já aconteceu.
Um outro aspecto mencionado no artigo é o da prática da conversa da empresa com “analistas formadores de opinião” para alinhar expectativas, passar orientações sobre pontos que podem ser críticos na interpretação dos números financeiros”.
Essas conversas podem ter impactos negativos sobre a visão do analista, se este não estiver senso crítico para relativizar as tais orientações dadas pela empresa.
Temo que, com o receio de ter um “álibi” dado pela empresa com as orientações, a maioria dos analistas tende a não questionar o que foi passado. O questionamento acaba aparecendo se e quando a reação do mercado contradiz a visão passada pela empresa em relação a seu desempenho no curto prazo.
Acredito firmemente que o valor de uma empresa é função dos seus resultados de longo prazo; por isso relativizo a importância dos resultados trimestrais.
Entendo que eles possam ter impacto no preço da ação e que investidores consigam ganhar dinheiro em cima destas oscilações de curto prazo.
Mas ganhos ainda maiores acontecerão se e quando a empresa mostrar sua capacidade de criar valor de maneira sustentável através da execução exitosa de sua estratégia corporativa.
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Sobre o colunista
Sergio Goldman é colunista no Blog do Gorila e possui mais de 30 anos de experiência no mercado de capitais da América Latina com foco em Equity Research, Distribuição de Renda Variável e Wealth Management. Possui vasta experiência na venda de produtos de renda variável para investidores institucionais locais e estrangeiros, tendo trabalhado em instituições financeiras como Baring Securities, Bear Stearns, Santander, Unibanco e Safra. Desde junho de 2023 atua com gerenciamento de portfólios na Barra Peixe Investimentos. Entre 2019 e 2023 atuou como gestor do FIA Esh Prospera, e entre 2014 e 2016 contribuiu na coluna Palavra do Gestor do jornal Valor Econômico. Formado em Engenharia Eletrônica pela PUC-RJ, tem mestrado em administração na COPPEAD, escola de negócios da UFRJ.
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