Dois anos após CVM 178 e 179, assessores debatem convivência com consultorias independentes
Uma das questões centrais debatidas no Advisor Talks 2025 sintetizou uma tensão que atravessa o mercado de distribuição de investimentos: as resoluções CVM 178 e 179 representam detrimento das assessorias em relação às consultorias independentes? Passados dois anos desde a publicação das normas — que acabaram com a exclusividade obrigatória entre assessores e corretoras e impuseram transparência radical sobre remunerações — o setor debate se o novo marco regulatório acelerou a migração de profissionais para o modelo de consultoria.
A resposta mais contundente veio de quem concebeu as regras. João Pedro Nascimento, ex-presidente da CVM e professor de Direito na FGV, rejeitou a premissa da pergunta: as resoluções foram desenhadas para “empoderar os assessores de investimento”, não para prejudicá-los. Segundo ele, o momento atual é de “capitalização” para o setor, referindo-se tanto à possibilidade de atrair sócios investidores, novidade trazida pela flexibilização societária da 178, quanto à consolidação de relevância no mercado.
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Contexto regulatório
As resoluções 178 e 179, publicadas em fevereiro de 2023, representam o mais amplo redesenho regulatório da atividade de assessoria de investimentos em duas décadas. A 178 pôs fim à exclusividade obrigatória entre assessor e corretora, permitiu estruturas societárias mais flexíveis (incluindo sócios capitalistas) e criou a figura do diretor responsável. A 179 estabeleceu regime de transparência sem precedentes: intermediários devem divulgar comissões, rebates e enviar extratos trimestrais detalhados aos clientes.
Com vigência plena desde novembro de 2024, as normas modificaram a dinâmica competitiva do setor. A flexibilização permitiu que assessorias captassem investimento externo e ampliassem operações. A transparência, por sua vez, expôs ao investidor quanto efetivamente paga pelos serviços, informação historicamente opaca no modelo comissionado tradicional.
“O grande acerto dessa regra é a previsibilidade que dá para o investidor. Por trás da transparência há decisões mais conscientes”
João Pedro Nascimento, ex-presidente da CVM
Consultorias crescem por carência, não por ameaça
Felipe Russo, diretor-presidente da Associação Brasileira das Companhias de Valores Mobiliários (ABCVM), ofereceu leitura pragmática sobre o crescimento das consultorias independentes. Para ele, o movimento está atrelado à “carência desse tipo de serviço” no mercado brasileiro, não a um esvaziamento das assessorias. A consultoria atende demanda específica por orientação independente que permanecia reprimida.
Diego Ramiro, presidente da Associação Brasileira de Assessores de Investimento (ABAI), foi direto ao abordar a questão da possível substituição de modelos: “Não necessariamente todos os assessores vão virar consultores. Hoje é um momento de consolidação e de ficar relevante.”
“Assessores são a única categoria do mercado a ser 100% transparente”
Diego Ramiro, presidente da ABAI
Transparência como reposicionamento competitivo
A defesa do modelo de assessoria também veio da própria representação setorial. Diego Ramiro, presidente da ABAI, argumentou que o “conflito de interesse é inerente a qualquer interação social” e que os assessores, justamente por força das resoluções 178 e 179, tornaram-se “a única categoria do mercado a ser 100% transparente”.
João Pedro reforçou o argumento ao destacar a previsibilidade como principal conquista das normas. Segundo ele, a transparência não é fim em si mesma — seu valor está em instrumentalizar o investidor para decisões mais conscientes. A lógica subjacente é que, com informação clara sobre custos e incentivos, o cliente pode avaliar se prefere pagar diretamente por consultoria independente ou optar por assessoria vinculada com custos embutidos nos produtos.
O ex-presidente da CVM também observou migração em curso do modelo comissionado para o fee-based dentro das próprias assessorias — tendência que aproxima a remuneração do assessor ao padrão da consultoria, mantendo porém a vinculação às plataformas de distribuição.
Assessoria em expansão
O Brasil encerrou outubro de 2025 com 28.095 assessores de investimento credenciados, segundo a ANCORD. O número representa crescimento de 5,7% em 12 meses e 515% em uma década. Só em 2025, foram 1.277 novos credenciados.
Perfil etário permanece jovem:
- 18 a 25 anos: 13%
- 26 a 45 anos: 65%
- 46 a 55 anos: 14%
- Acima de 56 anos: 8%
Distribuição geográfica avança:
Sudeste concentra 61,9% (São Paulo sozinho tem 40,1%), mas Sul responde por 24%, Nordeste por 7,3%, Centro-Oeste por 5,5% e Norte por 1,3%. A categoria está presente nos 26 estados e no Distrito Federal.
Digitalização acelera autonomia
Embora não tenha sido o foco central do painel, a digitalização apareceu como pano de fundo da discussão. A tecnologia permite tanto que assessores escalem atendimento via automação quanto que consultores independentes alcancem tickets menores com plataformas integradas. O efeito líquido é ambíguo: amplia capacidade de ambos os modelos, mas também empodera o investidor autônomo que prescinde de intermediação tradicional.
Felipe Russo reconheceu o descompasso entre avanço tecnológico e regulação, mas classificou a defasagem como “natural”: a norma sempre persegue a inovação, nunca a antecipa, argumentou.
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