1 milhão de investidoras na bolsa e é só o começo

Conheça a primeira brasileira a investir em ações, os desafios que as investidoras ainda encontram e dicas para iniciar nos investimentos
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Por Alvara Bianca - 20/05/2021
Atualizado em 27/07/2022
9 min de leitura

Em 2021, a bolsa de valores chegou a marca de 1 milhão de investidoras. O número demorou mais de 100 anos para ser atingido. Ao longo do artigo, você vai descobrir quem foi a primeira mulher brasileira a investir na bolsa, além dos desafios ainda presentes e o que esta conquista pode representar daqui para frente. 

Mulheres em dados

Um crescimento expressivo na bolsa pôde ser observado nos últimos 4 anos, onde a quantidade de mulheres saltou de 179.511 até atingir o atual patamar. 

Segundo a B3, as 1.007.982 mulheres investidoras equivalem a apenas 27,34% do total de investidores. A bolsa brasileira tem como um todo 3.687.026 mil CPFs cadastrados, porém é possível contabilizar o mesmo investidor caso ele possua conta em mais de um corretora. 

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Fonte: B3

Quando se olha a distribuição por estados, a maior concentração está em São Paulo, com 399.642 mulheres, seguida por Rio de Janeiro e Minas Gerais, com, respectivamente, 108.940 e 98.236. 

Já a faixa etária com a maior concentração é a que abrange dos 26 aos 35 anos, com um total de 322.980 investidoras. Entretanto, quando se analisa o valor total investido, a maior parte é detida por mulheres com mais de 66 anos, que equivale a 75.595, totalizando R$ 35,71 bilhões.

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Fonte: B3

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Conheça a primeira mulher brasileira a investir na bolsa

Eufrásia Teixeira Leite foi pioneira na bolsa de valores. Nascida em Vassouras (RJ), em 1850, perdeu os pais cedo e com a herança viajou para Paris com a irmã, uma vez que no Brasil as mulheres não podiam votar nem ter conta em banco. 

Em 1876, já estava na capital francesa onde iniciou os investimentos e operou em 17 países, incluindo Londres e Estados Unidos, e em nove moedas diferentes. Quando o assunto era diversificação, seu portfólio não deixava a desejar. Eufrásia investiu desde títulos de dívida pública, ações de companhias têxteis, ferrovias, alimentos de empresas como Brahma e Antarctica, hoje negociadas como Ambev, como bem lembra Mariana Ribeiro, analista CNPI e autora do livro Quero Ser Eufrásia

“Ela atuava em várias frentes: de setores de mineração a novas tecnologias, como questão da eletricidade a desenvolvimento de novas tecnologias como a viscose, que é a produção de tecido a base vegetal. Também era contra bonde ser puxado a cavalo e participou de reuniões da prefeitura de Paris para avaliar essa revolução nas tecnologias que estavam por vir”, descreve Ribeiro. 

A ideia de escrever um livro partiu de um TCC do curso de Relações Internacionais, na FAAP, em 2011, e hoje virou um mestrado em andamento. Durante sua pesquisa, Mariana reuniu 37 mil documentos sobre a vida da Eufrásia. 

É curioso como era feito o envio de compra de uma ação no início do século XX. “Era um prédio, mas as mulheres não podiam descer porque, se trombassem fisicamente com os homens ali no pregão, era considerado promíscuo. Então ela assistia do segundo andar, fazia as boletas de negociação e um agente descia e ia para fechar os negócios”.  

Eufrásia faleceu no Brasil em 1930 e o seu inventário levou 22 anos para ser fechado. Não deixou filhos, mas o dinheiro da herança ela destinou à construção de um hospital e duas escolas em Vassouras, sua terra natal. 

O reconhecimento de Eufrásia na bolsa

Mariana explica que o que ela ouvia sobre Eufrásia era que ela era uma mulher excêntrica, que deixou toda herança para um burrinho. “E o que eu entendi é que, na verdade, eles não tinham compreensão de quem tinha sido Eufrásia”. 

Depois que entregou o TCC, não parou de pesquisar porque era um material muito interessante. O reconhecimento de Eufrásia pela Bolsa de Valores só aconteceu em março de 2019, quando foi realizado o evento “Ring The Bell for Gender Equality”, e fizeram uma frase junto à ONU Mulher sobre a Eufrásia, reconhecendo-a como a primeira mulher investidora.

Mariana disse que há alguns anos vinha conversando com a bolsa e não conseguia esse reconhecimento. Mas quando a avisaram sobre o evento, ela teve 15 dias para montar o livro. 

Além disso, explicou que ao invés de livro, a ideia do projeto #QueroSerEufrásia era ser um treinamento para mulheres terem certificação como profissionais investidoras e se inserirem no mercado que possui um gap de representatividade feminina. 

Considerando apenas o CPA-10, certificação obrigatória para quem trabalha em agências bancárias, a proporção é maior e elas representam 52% do total. Entretanto, à medida que evolui o nível de certificação, baixa o número de mulheres. Dados de 2019 mostram que 18% das certificações CNPI são de mulheres e 3% tem CFA – analista internacional. 

Contexto social

Vera Rita de Mello Ferreira, doutora em psicologia social pela PUC-SP, comenta que ainda há uma grande falta de familiaridade das mulheres com o mundo do dinheiro e com a própria capacidade de fazer isso. 

“O desafio para as mulheres é que simplesmente estamos chegando mais tarde no mercado financeiro, no mundo do dinheiro, no mundo do trabalho. Foi anteontem, na Segunda Guerra, que as mulheres começaram a sair em maior número para trabalhar fora e ganhar o próprio dinheiro e administrar tudo mais. Ou seja, ainda é uma grande novidade e, infelizmente, muitas mulheres ainda não podem trabalhar fora de casa ou quando trabalham fora de casa acaba marido, pai, alguém pegando o dinheiro para administrar ou para gastar”. 

Como as mulheres já tinham tantas demandas, como cuidar da casa e dos filhos, para os homens sempre foi natural que eles se virassem com relação a dinheiro. Apesar disso, Vera aponta um problema deles: a autoconfiança exagerada. 

“Eles são meio crentes que sabem de tudo, que são magos das finanças, que não precisam buscar informações porque já sabem. Acreditam super no próprio taco e fazem muita besteira a partir disso.  O trunfo das mulheres, até agora pelo menos, é justamente essa cautela que elas têm que vem do fato de não terem tanta familiaridade. Então, elas perguntam mais, elas não querem correr tanto risco, estão sempre pensando mais no longo prazo. Eu brinco que estão sempre ligadas no leitinho das crianças. Os homens até por conta disso ‘ah, eu quero dar uma vida melhor pros meus filhos, para minha família, então vou vender a casa e botar tudo em bitcoin’. Uma mulher raramente faria isso”. 

Mãe investidora

Helô Cruz, mãe de três meninos de 7, 6 e 4 anos, teve o primeiro contato com o mundo dos investimentos num intercâmbio do Ensino Médio. A família americana acompanhava diariamente o noticiário na televisão sobre as ações. Na época ainda não tinha dinheiro para investir, mas aquilo aguçou sua curiosidade. Começou a investir logo após se casar.

“Trabalho no mercado financeiro desde 2007 e tem várias questões ruins. Mas eu sempre digo que o trabalho de análise de investimentos é maravilhoso”, comenta Helô. 

Helô lembra que o assunto investimentos nunca esteve muito presente com as amigas.  “Aqui em casa sou eu quem lida mais com investimentos e a gente tem uma turma de casais grandes e na rodinha de homens sempre tem o assunto investimento e na de mulheres nunca tem. Eu sempre estou, ou estava, por causa da pandemia, nessa rodinha dos homens falando sobre investimentos”. 

Após o nascimento do primeiro filho, decidiu criar um clube de investimentos – Stoxos, no qual faz a gestão. Ela revela que os pais só começaram a investir em renda variável quando ela abriu o clube. 

Açaí com finanças

Desde cedo, Helô comenta com os filhos sobre educação financeira, ensinando a guardar, esperar e o quanto valem as coisas. Tanto que ela relembra uma situação com um de seus pequenos. “Eles ganham umas moedinhas de troco e aí quando a gente sai eles têm que comprar um sorvete. Uma vez meu filho começou a chorar porque ele falou que queria um açaí e eu fiz ele pagar R$ 10. E R$ 10 é um dinheiro que ele juntou durante muitos dias. Então eu falo bastante e tento achar material para crianças que falem sobre dinheiro”. 

Além de dar cursos sobre análise dos investimentos, Helô comenta que tem o sonho de fazer um cursinho para crianças: “ainda não cheguei lá, mas acho que seria muito legal”. 

Momento bolsa de valores

O número de investidores na B3 saltou expressivamente nos últimos anos. Em 2015 eram 557.522 investidores e em maio de 2021 são 3.687.026 contas ativas em custódia. Porém, o percentual feminino só alterou 3,57%, indo no mesmo período de 23,77% para 27,34% de investidoras.

“Acho que as mulheres foram para bolsa nesse momento como grande parte dos homens. Todo mundo tentando fugir da renda fixa que está com Selic baixa. Então dá aquele faniquito e sai correndo. Então é possível que elas estejam na manada tanto quanto os homens. Agora é legal, é interessante, eu só fico torcendo para elas estarem conscientes do que estão fazendo. Para que tenham ido buscar conhecimento, informação, orientação quando necessário, para que realmente tomarem as melhores decisões com os seus investimentos”, analisa Vera. 

E complementa: “Eu imagino também que sejam mulheres mais jovens, então é o momento adequado de fazer isso, principalmente numa estratégia de Buy and Hold, você faz uma carteira de ações e deixa lá pro longo prazo”. 

Nova geração de investidoras

Em 2019, Júlia Abi-Sâmara não entendia nada sobre investimentos. Foi quando passou por uma situação desagradável com alguns colegas de faculdade. Eles estavam falando sobre investimentos quando ela demonstrou interesse nesse assunto, porém foram machistas dando a entender que ela não tinha capacidade de aprender. 

A partir daquele dia ela começou a estudar muito sozinha com auxílio de vídeos, blogs, para então poder investir. “Eu comecei a ver o quanto isso estava fazendo bem para minha vida não só financeira, mas também a minha vida pessoal, a minha autoconfiança, o meu processo de empoderamento porque eu estava aprendendo sobre um assunto que antes eu achava que não era capaz de aprender e por eu ter passado por situações a entender que eu não era capaz de aprender”, lembra Júlia. 

A ainda estudante de Administração da FGV decidiu criar um curso para ensinar as amigas sobre investimentos. Júlia queria que elas sentissem o mesmo sentimento, assim passou a fazer em sua casa um lanche aos domingos à tarde com um grupinho das melhores amigas para falar sobre como investir.  

Depois da aula de três horas, com apostila e tudo, outras meninas da faculdade da Júlia pediram para ter essa aula também. O ciclo foi crescendo no boca a boca, alcançando 130 meninas em 2019. Com a pandemia e a impossibilidade do curso presencial, Júlia criou o perfil no Instagram As investidoras (@as.investidoras) com dicas para as meninas que querem começar a investir. 

Comportamento de manada?

Júlia considera o número de 1 milhão de investidoras na bolsa como um marco importante: “Acho que cada mulher é uma vitória porque ela pode despertar esse olhar em muitas outras mulheres”.

Nesse sentido, Vera concorda que o número pode puxar outras mulheres, mas ressalta o efeito do comportamento de manada. “Você tem desde o comportamento de imitação, que é muito importante para o ser humano porque é assim que a gente aprende as primeiras coisas, andar, falar, se comportar socialmente, quando a gente ainda é bebê. A imitação é importante e fica para sempre. Tem o fear missing out, o medo de ficar de fora. Tem as comunicações, as redes sociais, o influencer. Então tem toda essa carga de informação que tem muitas vezes esse caráter de você não vai ser a única ‘mané’ a ficar de fora, você tem que entrar também”. 

O resultado é que muitas vezes a pessoa acaba perdendo dinheiro tanto na entrada como na saída. “Mas tomara que pouco a pouco possam ir aprendendo. E essa fantasia secreta que todo mundo tem de que as outras pessoas é que sabem das coisas. Então a gente tenta fazer o que os outros estão fazendo imaginando que também vai ficar de boa como a gente sempre tende a supor que os outros estão de boa, só a gente que padece”, conclui Vera.  

Caminho pela frente

Uma dica que Júlia dá para as investidoras é para buscar uma rede de apoio de outras mulheres, seja um grupo próximo ao seu ou mulheres que você não conhece, mas que pode se espelhar e sentir inspirada por elas. 

“Encontre uma pessoa com quem você se identifica, uma pessoa que tenha linguagem que você se identifica. Busque canais e meios de outras mulheres também. Acho que isso tudo acaba deixando o processo muito mais gostoso, muito mais leve e a gente acaba tendo mais prazer na hora de aprender”, reforça.  

O que mulher de hoje pode aprender com a Eufrásia 

Por fim, Mariana explica o que as novas investidoras podem aprender com a primeira delas, que deu o primeiro passo no mundo da bolsa de valores. “Hoje a gente já não tem mais esses impeditivos sociais, se você quiser abrir um home broker, se quiser abrir uma conta em banco você consegue desde 1962. A gente teve algumas melhoras, alguns avanços e direitos. Ao mesmo tempo que eu vejo a questão do sucesso da Eufrásia é a resiliência e essa vontade de aprender. Com 60 anos, o que já era considerado idoso na época, começa a empreender em novas tecnologias. Ela estava sempre muito aberta a aprender, acho que esse é o ponto. Que se essa mulher não teve contato com educação financeira ou com investimento não seja esse o impeditivo”. 

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