Como tecnologia e regulação vão moldar o Wealth Management até 2030

Evento da ABCVM reuniu especialistas em regulação, investimentos e tecnologia para discutir os avanços e perspectivas da indústria de consultoria de investimentos até 2030. Leia o resumo das discussões.
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PorEdnael Ferreira - 08/11/2024
Atualizado em 25/11/2024
8 min de leitura

O ABCVM Summit deste ano, promovido pela Associação Brasileira de Consultores de Valores Mobiliários, trouxe como tema central “Wealth 2030: Perspectivas e o Impacto da Tecnologia na Consultoria de Investimentos”. O evento reuniu especialistas do setor financeiro para discutir as principais tendências e desafios para os próximos anos, incluindo a evolução das regulamentações e o papel da tecnologia em ampliar o acesso e melhorar a experiência dos investidores.

Novas normas como as resoluções CVM 175 e a 179, por exemplo, visam aprimorar a transparência nos custos e simplificar as normas para fundos, buscando facilitar a experiência do investidor e garantir a competitividade da indústria brasileira. Ao mesmo tempo, as regulamentações se voltam para a segurança e a acessibilidade dos criptoativos, que ganham espaço nas carteiras dos investidores e exigem uma abordagem cuidadosa para equilibrar inovação e proteção ao consumidor.

Esses movimentos apontam para um mercado que, até 2030, deverá estar mais integrado, regulamentado e preparado para responder rapidamente às novas demandas tecnológicas e às necessidades dos investidores.

Avanços regulatórios e perspectivas para a distribuição de investimentos

A visão da indústria de consultoria de investimentos e as perspectivas de mercado estão profundamente entrelaçadas com a evolução da regulamentação no setor financeiro, que avança significativamente em busca da proteção do investidor e da transparência.

Nos últimos anos, o setor experimentou mudanças regulatórias significativas para adaptar-se ao crescimento de novos produtos e à digitalização das ofertas de investimentos.

Tatiana Itikawa, Superintendente de Representação de Mercados na ANBIMA, destacou a Resolução 175, que consolida e moderniza as normas para fundos de investimento. Ela mencionou que uma próxima fase de discussões deve abordar “a ponta”  da distribuição. Após o ajuste regulatório, que trouxe mais segurança jurídica para o setor, é preciso aumentar a acessibilidade para o investidor: “Não é um produto tão fluído”, disse. 

O diretor da CVM, Daniel Maeda, também esteve presente e reforçou que as normativas, especialmente a resolução 179, “passam mensagens importantes sobre as crenças” da autarquia. Segundo Maeda, a experiência global indica que a correlação da performance de produtos financeiros é mais forte com os custos do que com os riscos.

A resolução 179 é então um eixo central para o mercado uma vez que obriga os assessores a revelar suas remunerações.

Entretanto, apesar dos avanços, o mercado aponta para “gaps” na regulação. A CVM 179 carece de padronização e permite que cada corretora apresente informes de maneira distinta. Além disso, a obrigatoriedade de divulgar a rentabilidade recai apenas sobre corretoras e assessores, deixando os bancos isentos – o que gera uma assimetria que pode confundir investidores e dificultar comparações diretas. 

Os próximos passos da regulação

Maeda afirmou que no horizonte breve, entre um ano ou dois anos, o contexto de aplicação da lei proporcionará ensinamentos práticos. Ele ressaltou que haverá a necessidade de adaptação contínua à medida que o mercado reage às mudanças, “podemos pensar em ajustes futuros”, completou. 

Nas projeções de cenários futuros, Itikawa contou que a ANBIMA tem se aproximado do agronegócio, que é o setor mais sub-representado proporcionalmente na bolsa. A intenção é fortalecer o acesso ao mercado de capitais para essa indústria, de modo que o agro entenda melhor os mecanismos de financiamento de capitais e, reciprocamente, que o mercado financeiro compreenda as especificidades do agro. 

A representante da ANBIMA também projetou o papel crescente das tecnologias avançadas, como a inteligência artificial, e o olhar atento para as práticas de ESG, com foco na transição energética e na emissão de ativos verdes. Fora isso, o movimento de internacionalização, que facilita o acesso de investidores brasileiros a ativos estrangeiros, representa, para ela, um passo natural, já que as fronteiras de investimento estão cada vez mais tênues.

A ascensão dos criptoativos aumenta a acessibilidade

O evento também discutiu o impacto de novos ativos na diversificação de portfólios. Marco Saravalle, Diretor de Educação e Certificação na APIMEC, elogiou o arcabouço regulatório para criptoativos, que estabelece diretrizes para dar acesso a esses produtos com custos reduzidos para o investidor. Ele reforçou que a digitalização dos produtos financeiros pode ampliar o acesso, pois possibilita que um número maior de pessoas invista com segurança e custos menores.

Esse processo é impulsionado pela tecnologia, que viabiliza estruturas mais enxutas e ágeis para o lançamento e gerenciamento desses ativos.

Samir Kerbage, CIO Global na Hashdex, pontuou que os criptoativos, apesar da alta volatilidade, podem oferecer vantagens de diversificação em uma carteira. “A diferença entre o remédio e o veneno é o tamanho da dose”, disse ele, referindo-se à importância de alocar criptoativos em uma proporção equilibrada – entre 1% a 5% do portfólio – para melhorar a relação risco-retorno no longo prazo.

Kerbage também ressaltou que os criptoativos estão em uma fase inicial de adoção e traçou um paralelo com o crescimento da internet. Enquanto a Web3 já atingiu cerca de 580 milhões de usuários em 2023, a expectativa é que esse número alcance um bilhão de usuários mais rapidamente do que a internet, que levou uma década para atingir tal marca. 

Além disso, ele observou que o mercado endereçável total dos criptoativos é muito maior do que seu valor de mercado atual – há um potencial de expansão de até 30 vezes à medida que a adoção e a regulamentação avançam.

Alocação no exterior oferece oportunidades e dólar deve ganhar mais força com Trump eleito

No espaço dedicado ao investimento no exterior, José Maria da Silva, Coordenador de Alocação e Inteligência na Avenue Securities, trouxe uma visão pragmática sobre as oportunidades de diversificação geográfica para investidores brasileiros. Ele argumentou que, apesar do potencial de crescimento, o mercado brasileiro ainda é pequeno quando comparado ao global. 

Dados apresentados por ele ressaltam a disparidade de escala: enquanto o valor de mercado das empresas listadas globalmente alcança cerca de US$ 113 trilhões, o mercado norte-americano, por si só, responde por US$ 60 trilhões. O Brasil, por outro lado, representa apenas uma fração desse total, com US$ 0,8 trilhão.

Trump e a política protecionista 

Os palestrantes do ABCVM Summit também discutiram projeções para o dólar. Felipe Sichel, economista-chefe da Porto Asset, trouxe uma análise sobre o impacto das eleições norte-americanas de 2024, que resultaram na vitória de Donald Trump, na economia global e na valorização da moeda do país. 

Com a retomada de um governo de linha protecionista, duas diretrizes principais da política de Trump assumem relevância para o futuro da moeda americana: o fortalecimento da indústria interna e a manutenção de um estímulo fiscal agressivo.

Sichel destacou o posicionamento histórico de Trump contra o que chama de “desindustrialização” dos EUA, impulsionada por um comércio internacional que, segundo o presidente eleito, favorece a exportação de empregos e o crescimento econômico em países concorrentes. 

No passado, Trump direcionou críticas ao Japão, agora amplia sua mira para a China e para a zona do euro. Em busca de reverter essa perda de competitividade interna, Sichel acredita que o governo deve continuar implementando tarifas sobre produtos estrangeiros, encarecendo a importação e incentivando a produção nacional. Esse movimento tende a pressionar o dólar para cima, enquanto a elevação nos custos de importação gera pressões inflacionárias dentro do próprio mercado americano.

Além disso, o cenário fiscal dos Estados Unidos, descrito por Sichel como “complexo”, reforça a perspectiva de uma moeda forte. Desde o início do governo Trump, o corte de impostos iniciado em 2017 foi um ponto central da política fiscal, estimulando o consumo e os investimentos domésticos. 

Esse plano, que inicialmente seria encerrado em 2025, deve ser prolongado, de acordo com Trump, comprometendo ainda mais a geração de superávit primário. Sem aumento de arrecadação, o risco inflacionário cresce. Neste contexto, afirmou Sichel, o Fed deverá reduzir seu ritmo de cortes de juros, mantendo as taxas entre 3,75% e 4,25%, o que também sustenta a força do dólar no curto e médio prazo.

Como profissionais de investimentos devem se preparar para os próximos anos?

Com a evolução acelerada do mercado financeiro, o papel do profissional de investimentos passa por uma transformação profunda. A era atual exige que o profissional vá além da seleção de produtos e se aproxime do cliente.

Tito Gusmão, CEO da Warren, enxerga a fase atual da indústria — o “3.0” — como a era do serviço, em que a prioridade é compreender as necessidades individuais do cliente e estruturar um planejamento financeiro personalizado que vá além dos produtos de investimento. “Construir a estratégia para a pessoa chegar aos objetivos é o principal, o investimento é apenas uma ferramenta nesse caminho”, afirmou.

Para Gusmão, o futuro desse setor exige um modelo híbrido, que combina a análise e precisão das máquinas com a sensibilidade e o toque humano — uma espécie de “robocop” das finanças. Esse equilíbrio, segundo ele, é fundamental porque as decisões financeiras envolvem o que há de mais íntimo para o cliente: seus recursos e objetivos de vida. 

O investidor pede comunicação, preparo digital e compreensão

Hoje, a quantidade e a complexidade de informações disponíveis oferecem uma gama de ferramentas robustas para diversificação e planejamento, mas também podem sobrecarregar investidores que buscam simplicidade e segurança. Nesse contexto, a educação financeira torna-se essencial e estratégica, facilitando a tomada de decisões mais informadas e alinhadas com os objetivos individuais.

Ana Leoni, CEO da Planejar (Associação Brasileira de Planejamento Financeiro), reforçou a importância da comunicação das instituições financeiras com o cliente. Para ela, o profissional de investimentos é quem traduz o mercado para o cliente por meio de uma relação de confiança genuína.

Essa necessidade de conexão humana e educação é ainda mais importante quando se analisa o investidor moderno, como destacou Marília Fontes, sócia da Nord Investimentos. O novo investidor já não aceita respostas automáticas. Em vez disso, ele busca compreender as estratégias propostas e avalia riscos e custos de forma autônoma — um processo que, segundo Fontes, fortalece a emancipação do cliente, tornando-o mais independente e consciente das próprias finanças.

Fontes observou também que o cliente do futuro pode optar por um relacionamento exclusivamente digital, especialmente com as novas gerações que nunca conheceram um mundo sem a tecnologia. Essa mudança de comportamento exige que as instituições financeiras fortaleçam sua infraestrutura digital para manter a proximidade com seus clientes.

Gilvan Bueno, especialista financeiro e comentarista da CNN Money, complementou, sugerindo que a transformação do mercado passa não só por tecnologia, mas também pela capacidade de entender a diversidade dos investidores. Ele enfatizou a importância da “economia prateada” — um setor composto por produtos e serviços direcionados à população idosa, que no Brasil movimenta cerca de 2,8 trilhões de reais.

“As pessoas vão viver até 100 anos e hoje não temos uma preparação para lidar com clientes de maneira longeva”, completou Leoni.  

A principal questão para o mercado financeiro é como se especializar para atender às necessidades específicas de cada cliente. Em um cenário que exige tanto inovação tecnológica quanto uma abordagem personalizada, profissionais do setor precisam integrar tecnologia e atendimento humano para oferecer soluções adequadas às metas individuais dos investidores, garantindo, assim, um serviço cada vez mais eficiente e direcionado.

ABCVM Summit 2024

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