Os impactos do Rio Grande do Sul na Economia – Carta Mensal Jun/24 | TAG Investimentos

Confira a análise e as perspectivas da TAG Investimentos sobre o cenário econômico na carta mensal de junho de 2024, com ênfase nos desdobramentos da tragédia do sul do Brasil.
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Por André Leite - 06/06/2024
7 min de leitura

Nossa carta mensal será dedicada a entender os impactos econômicos da tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul. Primeiramente, tentaremos mostrar, graficamente, o evento em termos do balanço contábil da sociedade privada e do governo. Depois, olharemos os impactos, sob o prisma de choques de oferta e demanda, identificando as fases de cada um. E, por último, com ajuda do nosso economista, Lívio Ribeiro, faremos estimativas do custo fiscal necessário para 2024.

Primeiramente, partimos de um balanço simples da sociedade privada, uma metáfora a uma empresa, ou mesmo uma gestão dos recursos de uma família! De um lado temos 100 de liquidez (caixa, disponível) e 300 de ativos fixos (imóveis, bens etc.), do outro lado temos como passivo (compromissos) uma dívida de 200. 

No momento zero (primeiros dias do desastre) o patrimônio todo, neste exemplo, é inteiramente destruído e a liquidez usada para a sobrevivência imediata, mas as dívidas permanecem, levando o ente (sociedade) para um patrimônio líquido negativo.

No momento um (semanas e meses seguintes) o governo, hipoteticamente, ajuda com 200 em forma de transferência direta. Com isso, o ente recompõe um pouco a sua liquidez e alguma parte dos seus ativos fixos, trazendo o seu patrimônio líquido para zero. Aqui cabe a ressalva que o tamanho da ajuda do governo é crucial para os respectivos balanços finais (governo e sociedade), bem como para os impactos fiscais e econômicos. Vide esquemático a seguir:

Do lado do ente governo, temos o seguinte esquemático: 

Note que o governo, neste exemplo, para socorrer a sociedade afetada pela tragédia usa parte de sua liquidez e parte é financiada com aumento de endividamento, colocando mais títulos públicos no mercado. Em outras palavras, estamos falando que o socorro imediato do governo, mais do que urgente e necessário, vira uma dívida que, em algum momento, precisa ser paga (de alguma forma) e esse recurso certamente não será suficiente para cobrir todos os prejuízos das famílias, empresas e da sociedade como um todo.

Podemos perceber, também, que o resultado final de uma tragédia, desta magnitude, é um empobrecimento geral da sociedade, tanto os afetados pela tragédia, como pelo governo. Em ambos os entes há uma redução do patrimônio líquido. E o governo, ao aumentar sua oferta de títulos (captação de recursos perante ao mercado), ainda piora mais as contas públicas e o déficit fiscal. Em outras palavras, pioramos ainda mais a situação do país, o que provoca uma redução de preços dos títulos do tesouro nacional neles, o que significa juros mais altos, em toda a estrutura a termo de taxas de juros*.

Agora vamos olhar o evento, em perspectiva temporal, sob a ótica de choques de oferta e de demanda.

No primeiro momento, na área atingida, temos simultaneamente um choque negativo de oferta, com comércio e indústria parados, bem como todo e qualquer acesso de mercadorias às áreas alagadas, e também um choque negativo de demanda, no qual as pessoas perdem renda (autônomos sem trabalhar ou mesmo funcionários com carteira sem receber) e o consumo meio que se limita às doações que chegam aos abrigos. É um momento, de poucos dias ou semanas, em que o efeito mais notável é uma queda acentuada de atividade, um exemplo disso foi a queda de 23% na arrecadação do ICMS gaúcho no mês de maio. Em termos de preço, os efeitos são mais incertos e dado que comércio e indústria nem operam, até a informação de preço desaparece.

No segundo momento (até a água baixar) vem a política pública de sustentação de renda. O governo já está liberando R$ 5,1 mil por pessoa afetada, bem como outras medidas de suporte como liberação do FGTS, por exemplo. Essa política, se bem-feita, terá efeito zero na demanda. Se malfeita, veremos um choque negativo de demanda (governo faz menos) ou choque positivo de demanda (passa do ponto na ajuda). Vamos assumir, por ora, uma política bem-feita com efeito zero na demanda, o que sobra ainda é um choque negativo de oferta.

No terceiro momento, o da reconstrução: choque positivo de demanda, com boom de investimento. Pode recompor a oferta lá na frente (isso demora), mas a trajetória é pressão de demanda. E, dado o nosso perfil usual, provavelmente com aumento de importação líquida (economia de poupança baixa, pico de investimento tem que absorver poupança externa).

O fim disso tudo é pressão inflacionária (demanda sempre descasa da oferta, em quase todos os cenários e horizontes de tempo), deterioração da balança comercial, empobrecimento e aumento do endividamento público.

Antes de detalharmos as estimativas do Lívio Ribeiro, vamos mostrar, graficamente, abaixo, a sequência do choque negativo de oferta seguido de um choque positivo de demanda. A resultante dos dois é um aumento do nível geral de preços. No caso do RS, por ser um forte produtor de bens intermediários, isso se manifestará primeiro e com mais força no IGPM.

Agora, vamos nos utilizar do framework (desenho da estrutura) elaborado pelo Lívio Ribeiro, e sua equipe, bem como das estimativas de gastos fiscais. Primeiramente, ele pesquisou e classificou eventos comparáveis, para pesquisar os custos envolvidos. Embora não tenha ocorrido no Brasil, a passagem do furacão Katrina pelos Estados Unidos é o desastre natural extremo com proporções mais próximas das que aparentemente serão observadas no Rio Grande do Sul. A área-alvo da assistência do governo federal americano foi aproximadamente 11% superior à atingida no Sul do Brasil, ainda que a população afetada seja pouco mais de 60% superior. É necessário ter em mente que a comparação pode ser mais próxima, a depender da quantidade de municípios gaúchos que decretem calamidade pública até o fim do desastre em curso.

Segundo dados do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), o dano causado pelo furacão Katrina foi estimado em 1,0% do PIB americano em 2005, o que seria 6,1% do PIB brasileiro daquele ano, em conversão direta. É necessário ter em mente que o estoque de capital instalado na região afetada pelo Katrina certamente era muito superior ao observado atualmente em terras gaúchas, de forma que os impactos econômicos no Brasil devem ser inferiores.

É inegável, no entanto, que a magnitude assusta, dando uma nova dimensão às estimativas e projeções que temos observado. Mais ainda, é importante notar que o escopo de medidas implementadas pelo governo americano, à época, é relativamente próximo ao que está sendo discutido e implementado, agora, no Brasil. Os dispêndios prioritários foram em transferências de renda aos agentes econômicos afetados, recuperação da infraestrutura urbana, reconstrução de domicílios e empresas, além de projetos para a prevenção de catástrofes futuras. 

Com isso, as estimativas em alguns cenários para os gastos seguem abaixo:


Sabemos que o governo está em plena campanha para recuperar prefeituras nas eleições municipais, além de querer manter a economia voando e o pleno emprego até a campanha presidencial. Com este viés, creio que o número de impacto primário está mais para 1% do que para 0,6% em 2024.

Em termos de mercado, na medida em que o mesmo for entendendo os impactos e colocando eles no preço dos ativos, cremos que os ativos serão impactados da seguinte forma:

  • Curva longa de juros, nominal e real. O evento RS chega logo após outro evento adverso (de mais intensidade) que foi a pandemia. Sem espaço algum de manobra fiscal. E com uma percepção de responsabilidade fiscal ruim. O impacto na ponta longa da curva será do aumento de prêmio, por simples aumento da oferta de títulos e piora das expectativas fiscais.
  • Câmbio. Seja pelo choque negativo de oferta agrícola agora, seja pelo choque de demanda positivo, teremos a balança comercial piorando em relação ao esperado. A percepção fiscal também é outro vetor que empurrará o USDBRL para cima.
  • Bolsa. Aqui temos a resultante mais incerta. De um lado, inegavelmente, teremos uma maior taxa de desconto. Do outro, o câmbio depreciado pode estimular algum fluxo do estrangeiro, caçando pechinchas. Do lado micro, o esforço de reconstrução do RS beneficiará alguns setores, aços planos (200 mil automóveis perdidos), aços longos (construção civil), cimento, varejo de um modo geral (perderam-se roupas, eletrodomésticos, utensílios domésticos), fabricantes de linha branca e construtoras focadas em baixa renda (cremos que o Minha Casa Minha Vida terá um especial impulso na região). Do outro lado alguns setores prejudicados, como seguros (tanto pelas perdas quanto pelo aumento de preços que virá, o que pode afastar clientes), cartões de crédito e bancos (inadimplência) e o setor de entretenimento (em momento de reconstrução o orçamento das pessoas deverá fluir do supérfluo para o essencial). Aqui possivelmente a resultante será a bolsa em estável para pouco negativa em termos de nível, porém com grande dispersão setorial.

Em linhas gerais, podemos fazer uma analogia do Brasil, em termos de contas públicas, como aquela senhora endividada, sem margem no consignado e o cartão já começa a não passar. Como se desgraça pouca fosse bobagem, ela sofre um acidente e tem uma nova lista de gastos. E não tem muito de onde tirar.

A TAG Investimentos continua solidária aos nossos irmãos do Rio Grande do Sul, passando por essa tragédia climática sem precedentes na história do Brasil. Continuamos a estimular doações para o estado, direcionando para instituições sérias e agora focadas na reconstrução. Uma delas é o Instituto Floresta (https://institutoculturalfloresta.org.br/). Abaixo as instruções para ajudar. 

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