O Império do Meio sangra – Carta Mensal Ago/23 | TAG Investimentos

Confira na íntegra a carta mensal de agosto da TAG Investimentos com as perspectivas para a China.
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PorAndré Leite - 13/09/2023
8 min de leitura

É desnecessário nos determos na importância da China para a economia global, segunda maior economia do mundo e usualmente entre os três maiores compradores de diversas commodities e produtos básicos, além de ser a fábrica do mundo, com destaque em tecnologia. Para o Brasil, é simplesmente o nosso maior destino de exportações. Dada a relevância e o que temos acompanhado no cenário externo, destinaremos a carta deste mês ao tema.

Desde a pandemia a China saiu dos trilhos, quando o assunto é crescimento. A figura abaixo fala por si.

A China enfrenta três ventos contrários: a desaceleração estrutural da economia com a questão demográfica como fator chave; a contração cíclica da economia com o papel governamental, como parte do problema; e a questão geopolítica, que tem tido efeitos negativos para as empresas chinesas.

Os três ventos têm causado uma tempestade perfeita.

O primeiro vento, a demografia, é autoexplicativo, o crescimento de longo prazo de um país é função do crescimento da população economicamente ativa e do crescimento da produtividade. O gráfico abaixo, da taxa de nascimentos na China, é terrível. Temos aqui um drama social: na China, a filha mulher é considerada como um custo (dote), enquanto o filho homem é considerado a previdência dos pais idosos, com a política do filho único, a sociedade chinesa adotou, em parte, a prática de eliminação das bebês do sexo feminino. 

Bem, esse desbalanço (52% homens x 48% mulheres) de 35 milhões de pessoas, aliado a rápida urbanização e modernização do país, cobrou o seu preço.

O segundo vento, a contração cíclica, tem como origem dois fatores: a concentração de poderes em Xi Jinping, que tem levado a uma mudança de matriz econômica um tanto atabalhoada (e com mão forte), e o modelo de crescimento chinês, que desde os anos 90 foi calcado em um câmbio desvalorizado, mão de obra (muito) barata e investimentos maciços em infraestrutura. Com isso, a China se tornou a fábrica do mundo ao mesmo tempo que transformou o país em um canteiro de obras, se transformando no maior consumidor global de commodities. Esse modelo, internamente, foi financiado com grande emissão de dívida por parte das empresas e governos locais.
Com o tempo, cada unidade de moeda tomada como dívida começou a produzir cada vez menos unidades monetárias de PIB, afinal os portos, linhas de trem, aeroportos e infraestrutura viária adicionais naturalmente têm retorno marginal decrescente. O gráfico abaixo, comparando a relação capital/produto de China com Japão em momentos diferentes no tempo, mostra bem isso.

O diagnóstico foi acertado, era necessário migrar de uma economia orientada ao investimento e exportação, para uma economia voltada para serviços e consumo interno, com foco em tecnologia e matriz energética limpa. Afinal, o antigo modelo, de muita dívida e retornos marginais decrescentes (figuras ao lado, do WSJ) era um castelo de cartas com destino traçado. Que o digam os 130 milhões de apartamentos desocupados em 2018, 20% do total de unidades residenciais. Guizhou, uma das províncias mais pobres da China, construiu mais de 1700 pontes e 11 aeroportos, a maioria sem uso.

Uma coisa é você ver que sua vaca está indo para o brejo e você entender que tem de mudar o seu rumo, outra coisa é como você vai mudar esse rumo. Aí começam os problemas de ordem cíclica da China. Basicamente tem duas formas de você mudar a orientação de um transatlântico com 1,4 bilhão de passageiros; uma é a criação de um sistema de incentivos inteligente e deixar que o espírito empreendedor e inventivo da população faça o serviço, a outra (dolorosa) é micro gerenciar a economia com mão forte, destruindo setores tidos como indesejáveis. Vários foram os setores que sofreram com a mão pesada de Xi Jinping; o educacional, o de jogos eletrônicos e o imobiliário. Não é de se espantar que o empresariado e o consumidor estejam retraídos, e mesmo com a reabertura, o nível de poupança esteja ainda muito alto. A transição para o novo modelo exige um consumidor mais confiante e gastador, um bom começo seria a criação de um sistema de previdência federal, com isso reduzindo a taxa de poupança.

Aí temos algumas questões conceituais, primeiramente o governo não acredita que o estilo de consumo ocidental seja adequado. Além disso, a liderança crê que o empoderamento do indivíduo sobre decisões de como gastar e investir o seu dinheiro vai justamente minar a autoridade central. Para isso é importante entender quem é Xi Jiping. Vejam abaixo, trecho de uma interessante matéria do UOL.

“O atual presidente da China é filho de Xi Zhongxun, um dos líderes comunistas que lutou ao lado de Mao Tsé-Tung. Seu pai, que chegaria a ocupar cargos de prestígio em certos ministérios, havia sido um guerrilheiro e fundou uma das principais unidades de combate no norte da China. Xi Jinping nasceu quatro anos depois da revolução comunista de 1949. Sua infância foi marcada por uma vida de nobreza. Ele e sua família viviam distantes da população chinesa, em escolas reservadas para a elite do Partido Comunista e em condomínios fechados.

Mas o período de prosperidade e calma não duraria para todos. O pai de Xi seria um dos primeiros líderes comunistas a ser expurgado por Mao Tsé-Tung, uma prática que nos anos seguintes ganhou proporções dramáticas no país com a Revolução Cultural. Na prisão, foi torturado e isolado de seus filhos. Os ataques ainda foram dirigidos contra a família de Xi, humilhados por grupos em Pequim leais aos maoistas mais radicais. O clima de terror era total. Relatos ainda apontam como o jovem Xi chegou a tentar escapar de sua escola para se esconder na casa de sua mãe. Mas foi denunciado por ela mesma, que temia por sua segurança se desse abrigo ao filho.”

Assim como na psicologia é comum o abusado vir a se tornar ele próprio um abusador, Xi Jiping mesmo tendo sofrido com a mão pesada de Mao, se transformou ele mesmo em uma versão moderna de Mao; nacionalista, muito centralizador e mão forte na economia, tendo produzido diversos expurgos de seus desafetos políticos.

O diagnóstico consensual e acertado da economia chinesa é a falta de demanda. Isso fica claro até na demanda por crédito, em queda. Os analistas brasileiros, pensando como brasileiros, já tem receita pronta para esta patologia, a importação da China de um “bolsa família”. As soluções mais simples nem sempre são as mais corretas, em especial quando não se conhece a cultura e a história do outro país.

Xi Jiping não parece que irá endereçar o problema chinês com uma bala de prata para estimular o consumo. Ao contrário, parece que irá continuar com medidas de “supply side”. Mais liquidez aqui, menores juros acolá e fazendo operações de socorro aos grandes grupos com problemas agudos de crédito. 

Um dado que nos chamou atenção sobre a falta de confiança do chinês foi justamente a explosão de consumo de luxo e joias, afinal ele não pode mandar o dinheiro para fora, não tem confiança na bolsa de valores (empresas com lucros em queda) e sua fonte de poupança tradicional, os imóveis, está com os preços em queda. A reserva de valor do chinês foi literalmente para debaixo do colchão.

Os problemas da China não são triviais, porém não acreditamos em uma grande crise sistêmica como foi a crise asiática em 1997. Primeiro, o país tem um vasto colchão de reservas internacionais (não tem problema de balança de pagamentos), sua conta de capitais é fechada (ou seja, o dinheiro não vaza para fora), seu problema é todo denominado em moeda local (que o governo pode emitir) e o controle governamental na economia é muito grande. Ou seja, é uma situação que pode ser empurrada com a barriga por muito tempo. Vemos a questão macro da China muito mais como o lento esvaziar de um balão do que o estouro dele.

Tivemos, recentemente, um amplo debate sobre China com nosso economista, o Lívio Ribeiro, aonde chegamos nas seguintes hipóteses para a doença chinesa:

  • Questão estrutural: o modelo chegou ao seu limite e o colapso já começou;
  • Azar”: o país enfrenta uma conjuntura extremamente desfavorável – não é permanente, mas é persistente;
  • Recessão de balanços: famílias e empresas estão excessivamente alavancadas, e o processo de limpeza de balanços levará a crescimento sub-ótimo;
  • Choque negativo de demanda: aversão ao risco e mudanças nas preferências criam um ponto fortemente negativo para a economia;
  • Erros de políticas públicas: governo não implementa as políticas adequadas para lidar com o momento desfavorável.

Assim como um acidente de avião, é possível que seja um pouco de cada. E lembrando que em regimes autocráticos, onde ninguém quer desagradar ao imperador, a chances de erros de políticas públicas aumentam bem.

E por último, mas não menos importante, a questão geopolítica. Se tem um assunto que une democratas e republicanos nos Estados Unidos é sua aversão à China e o consenso de que sua ascensão militar e econômica deve ser evitada a qualquer custo. Isso tem gerado um divórcio litigioso de velocidade assustadoramente rápida, tanto na parte produtiva (o México agradece) quanto na parte financeira. Um pequeno exemplo, em 2018 a China era o segundo país em termos de alocação para o fundo de pensão dos professores da Califórnia (USD 320 bilhões), hoje não é nem o décimo colocado. Afinal, quem viu o que aconteceu com os ativos russos não quer ficar para apagar a luz.

Naturalmente a China também tem suas armas, e uma dela é reduzir de forma veloz sua posição em títulos do Tesouro Americano, o que eleva as taxas de juros longas e provoca um verdadeiro buraco negro, atraindo o capital com uma força gravitacional de enormes proporções. O gráfico mostra bem a aceleração do processo.

No melhor cenário (sem rupturas militares) vemos a China como um bloco de menor crescimento (nossas projeções abaixo), menor demanda por commodities, um divórcio com o mundo ocidental que na margem é mais inflacionário e menos produtivo para a economia global.

 Em resumo, se a globalização foi desinflacionária e gerou riqueza, a desglobalização será justamente o oposto.

Sobre o colunista

André Leite possui mais de 25 anos de experiência como portfolio manager e trader para diversos bancos e assets. Passou por instituições como Banco Bozano, Simonsen, Banco Modal, Banco Santander, Maxima Asset Management, J. Safra Asset Management, Kairós Capital e Torana Investimentos. Hoje é Chief of Investment Officer da TAG Investimentos. Já recebeu prêmios como “Best Hedge Fund Manager – 1998” (Revista Exame e Lipper) e “Best Fixed Income Portfolio Manager – 2002” (Revista Investidor Institucional).  É formado em Engenharia Elétrica pela UFRJ e possui MBA pela University of Michigan Business School. 

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