Advisor independente precisa de networking, tecnologia e autovalorização

Viabilidade da carreira solo exige mais que competência técnica: comunicação, posicionamento e ecossistema de parceiros definem sucesso.
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PorEdnael Ferreira - 10/11/2025
6 min de leitura

A decisão de atuar como planejador financeiro independente coloca o profissional certificado diante de desafios que vão além do domínio técnico dos pilares do planejamento. A viabilidade financeira da operação, a escolha do modelo de remuneração, o uso estratégico de tecnologia e, principalmente, a capacidade de demonstrar valor ao cliente de forma tangível compõem um conjunto de questões que determinam o sucesso ou o fracasso do negócio.

Durante o Congresso Internacional da Planejar em São Paulo, Guilherme Assis, CEO do Gorila, Eduardo Amuri, sócio da Nossa (escola de planejadores financeiros), e João Paulo Bottecchia, CEO da FinTracks, abordaram esses pontos em um painel sobre estratégias e ferramentas para o planejador CFP® que escolhe a independência. A discussão revelou tanto as oportunidades abertas pela maturação do mercado quanto os obstáculos persistentes.

A viabilidade existe para o advisor independente, mas o tempo é um fator

A possibilidade de construir uma carreira financeiramente sustentável como planejador independente está mais clara hoje do que há poucos anos. Guilherme Assis avalia que a evolução das ferramentas tecnológicas e o amadurecimento do mercado brasileiro têm reduzido barreiras de entrada e operação. “Cinco anos atrás era mais difícil, cinco anos para frente vai ser mais fácil”, afirmou. A ressalva, porém, é importante: empreender não é fácil, e isso vale também para o planejamento financeiro.

João Paulo Bottecchia reforçou que a viabilidade existe, mas pode exigir um período de construção antes de alcançar rentabilidade consistente. Esse é um ponto frequentemente subestimado por quem deixa estruturas corporativas para atuar de forma solo. A transição envolve não apenas montar infraestrutura e processos, mas sobretudo construir reputação e carteira de clientes do zero. O tempo entre o início da operação e o momento em que a receita cobre os custos e gera lucro varia conforme estratégia, perfil de cliente e capacidade de execução.

Nesse processo, segundo Bottecchia, dois fatores se destacam: autovalorização e networking. A autovalorização vai além de precificar adequadamente o serviço. Envolve compreender o próprio valor de mercado, comunicá-lo com clareza e resistir à tentação de subvalorizar o trabalho apenas para conquistar clientes rapidamente. Bottecchia defende que investir na própria educação continuada e construir uma rede de relacionamentos sólida são passos essenciais para otimizar receita.

Ecossistema de parceiros como diferencial competitivo

Para Bottechia, escalar receita como planejador independente não depende apenas de tecnologia. O CEO da FinTracks trouxe à discussão a importância de ter uma rede de profissionais complementares. Advogados, contadores, especialistas em seguros e previdência compõem o ecossistema necessário para entregar soluções completas ao cliente. “Nosso mercado é de relacionamento”, afirmou.

A construção dessa rede exige critério. Botecchia aconselha o planejador a buscar profissionais parceiros que compartilham valores semelhantes, já que a indicação ou o trabalho conjunto reflete diretamente na percepção do cliente sobre a qualidade geral do serviço. No início da carreira independente, quando a oferta de serviços pode ser mais limitada, essa rede se torna ainda mais estratégica, pois permite ao profissional atender demandas que sozinho não conseguiria.

Esse aspecto diferencia o planejador independente de quem atua em estruturas corporativas, onde o ecossistema de parceiros já existe institucionalmente. Na carreira solo, cabe ao profissional construir e manter essas relações, o que demanda tempo e inteligência relacional. A rede não se forma apenas com conhecimento técnico. Passa por confiança mútua, alinhamento de processos e, frequentemente, por referências cruzadas que beneficiam todos os envolvidos.

Transparência obrigatória e o debate sobre remuneração

A Resolução CVM 179, em vigor desde novembro de 2024, alterou o cenário regulatório ao exigir transparência obrigatória sobre a remuneração de assessores e intermediários financeiros. A norma determina que profissionais divulguem de forma clara todas as comissões, taxas e rebates recebidos pela recomendação de produtos. Além disso, os clientes passam a receber relatórios trimestrais detalhando quanto foi pago em cada operação.

O objetivo da CVM é reduzir conflitos de interesse e permitir que o investidor compreenda exatamente quanto está pagando e para quem. A regra se aplica a assessores e corretoras, mas não a bancos, que são regulados pelo Banco Central. A ausência de uniformidade regulatória entre diferentes agentes do mercado financeiro é uma limitação reconhecida, mas a norma representa avanço na proteção ao investidor.

Nesse novo cenário, a discussão sobre qual modelo de remuneração adotar ganha novos contornos. Guilherme Assis acredita que a transparência permite que diferentes modelos coexistam. Com as informações à disposição, cabe ao cliente avaliar se prefere pagar uma taxa fixa de consultoria (fee-based) ou aceitar comissões embutidas em produtos recomendados.

Eduardo Amuri, por outro lado, defende o modelo fee-based puro, no qual o advisor recebe remuneração exclusivamente do cliente, sem comissões de produtos. Para ele, essa escolha facilita o plano de comunicação. “É mais fácil explicar esse serviço e, consequentemente, mais simples comunicar seu valor”, argumentou. Sem comissões de produtos, o conflito de interesse desaparece por completo, e o planejador pode se posicionar de forma mais clara como consultor imparcial.

Escalabilidade: ferramentas digitais abrem mercado de tickets menores

Assis trouxe ao debate a mudança de paradigma no desenvolvimento de produtos e serviços financeiros. “Estamos saindo da fase de desenvolvimento de produto e indo para a era da experiência”, afirmou. A tecnologia permite entregar valor percebido em larga escala, inclusive para clientes com tickets mais baixos, analisou o CEO do Gorila. Essa democratização abre oportunidades para advisors independentes que, no passado, precisavam focar exclusivamente em clientes de alta renda para viabilizar o negócio.

Com ferramentas digitais, automação de processos e plataformas integradas, é possível atender mais pessoas sem comprometer a qualidade do serviço. 

Há um equilíbrio delicado entre eficiência operacional e personalização. Os especialistas analisaram que automatizar etapas repetitivas libera tempo para o advisor se dedicar ao que realmente importa: entender o cliente, mapear objetivos, construir estratégias e acompanhar execução. A tecnologia funciona bem quando permite ao profissional ser mais humano, não menos.

O risco de “ser visto como contador”

Eduardo Amuri trouxe um alerta contundente sobre a percepção de valor. Ele alertou para o risco de o planejador financeiro ser visto pela sociedade da mesma forma que muitos enxergam contadores: profissionais necessários, mas commoditizados, que prestam serviços técnicos sem diferenciação aparente.

A comparação não é casual. Embora contadores sejam essenciais para qualquer negócio ou patrimônio, muitos são percebidos como prestadores de serviço de baixo valor agregado, facilmente substituíveis. A relação, em geral, é transacional. O cliente paga pelo serviço, mas não enxerga o profissional como parceiro estratégico de longo prazo. A comunicação é formal, a interação é pontual, e a lealdade é baixa.

Amuri argumenta que o profissional de investimentos precisa fugir dessa armadilha. E a saída passa pela forma como comunica e se posiciona. “É preciso ter confiança e imprimir a própria personalidade”, defendeu. Ele falou sobre a importância da “geração de valor a partir da ótica do cliente” e destacou que, se a comunicação não partir de uma identificação genuína, o planejador corre o risco de ser percebido apenas como executor de tarefas burocráticas.

O ponto central está na postura. “O valor não está somente na plataforma e no relatório, embora eles ajudem”, disse Amuri. Para ele, é preciso adotar uma postura de “sentar do lado” do cliente, e não na frente. 

A diferença parece sutil, mas é conceitual. Sentar do lado é colaborar, co-construir, estar junto no processo. Sentar na frente é apresentar diagnósticos prontos, de forma unilateral, como se o planejamento fosse um produto acabado que simplesmente se entrega.

Experiência e impacto como diferenciadores

Guilherme Assis reforçou que o caminho para demonstrar valor passa por conhecer profundamente o cliente e oferecer a melhor experiência possível. Não se trata apenas de entregar um plano financeiro tecnicamente correto. É preciso que o cliente sinta que foi ouvido, compreendido e que o planejamento reflete suas prioridades e valores reais, não modelos genéricos.

A experiência do cliente começa no primeiro contato e se estende por toda a jornada. Inclui a clareza da comunicação, a agilidade nas respostas, a qualidade das ferramentas utilizadas, a profundidade das análises e, sobretudo, a sensação de que o planejador realmente se importa. Esses elementos intangíveis pesam tanto quanto a competência técnica na decisão de manter ou não o relacionamento.

João Paulo Bottecchia resumiu de forma direta: “Faça a diferença na vida das pessoas”. O advisor que consegue impactar concretamente a vida financeira do cliente, seja ajudando a sair de dívidas, a realizar um sonho ou a construir segurança para o futuro, constrói uma relação que vai além do contrato de serviço. O cliente passa a enxergar o profissional de investimentos como parte essencial de sua trajetória, e não como fornecedor de um serviço intercambiável.

Esta cobertura foi publicada com exclusividade na Wealth Trends Newsletter. Todas às segundas-feiras, mais de 7.000 advisors brasileiros recebem uma curadoria de conteúdo com tudo o que é preciso saber sobre o mercado de wealth no Brasil — de notícias a estudos robustos.

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