US$ 9 trilhões em jogo: a transferência geracional que desafia advisors brasileiros
O maior movimento de transferência de riqueza da história está em curso. Segundo estimativa do UBS apresentada pela CNN, US$ 124 trilhões migrarão dos baby boomers para as gerações mais novas até 2048. O Brasil ocupa a segunda posição mundial em volume absoluto de recursos em transição: US$ 9 trilhões devem trocar de mãos nas próximas duas décadas.
Os números ganham escala quando confrontados com a composição demográfica brasileira. Dados do IBGE mostram que millennials — nascidos entre 1981 e 1996 — e geração Z — nascidos entre 1997 e 2012 — somam 47,8% da população, cerca de 97 milhões de pessoas. Os millennials, que hoje têm entre 28 e 43 anos, representam 24,8% do total (50,3 milhões), enquanto a geração Z, com idade entre 12 e 27 anos, responde por 23% (46,7 milhões).
Do outro lado da equação, os baby boomers — nascidos entre 1946 e 1964 e hoje com 60 a 78 anos — correspondem a 14,7% da população, ou 29,9 milhões de pessoas. É essa geração, detentora da riqueza acumulada nas últimas décadas, que iniciou o processo de transferência patrimonial para filhos e netos que, em muitos casos, têm décadas de distância geracional e expectativas radicalmente diferentes sobre gestão financeira.
A magnitude da transferência não se limita ao volume financeiro. Trata-se de uma redistribuição que já começou e que, na prática, coloca em xeque a continuidade dos relacionamentos comerciais estabelecidos por décadas entre os advisors e seus clientes.
No Congresso Internacional Planejar, realizado recentemente, especialistas da Franklin Templeton e painelistas como Marco Bologna, Senior Managing Partner da Galápagos Capital, e o advogado Filipe Arantes apresentaram um diagnóstico incômodo: a maioria dos planejadores financeiros vai perder esses clientes no processo de transferência.
A ruptura entre gerações e a perda de clientes: 70% dos ativos deixam o advisor na sucessão
A estatística apresentada pela Franklin Templeton no congresso revela a dimensão do problema: entre 70% e 90% dos ativos deixam o advisor quando o cliente principal falece. A raiz dessa ruptura não está na qualidade da gestão financeira, mas na ausência de relacionamento com cônjuges e herdeiros.
O fenômeno se agrava pelo choque geracional. Enquanto os baby boomers construíram relações presenciais, baseadas em confiança institucional e delegação de decisões, as gerações mais jovens operam sob lógica distinta. Millennials privilegiam canais digitais, demandam personalização e esperam co-criar estratégias em vez de simplesmente acatar recomendações.
A pesquisa da Franklin Templeton identificou três pilares do que millennials affluentes buscam em um advisor:
- Compreensão de necessidades únicas — querem ser tratados como clientes próprios, não como extensões do patrimônio familiar.
- Sentimento de valorização desde o início do relacionamento, sem esperar o evento sucessório para estabelecer diálogo.
- Expertise demonstrável em ativos modernos: criptomoedas, investimentos alternativos e ESG não são diferenciais opcionais, mas critérios de seleção.
O dado sobre presença digital reforça a mudança de paradigma. Segundo o Data Reportal 2023, millennials representam aproximadamente 60% da base de usuários do LinkedIn, consolidando a rede como canal preferencial para contatos profissionais. A ausência de presença qualificada nesse ambiente já sinaliza desconexão com o público que herdará trilhões.
Como construir diálogo com herdeiros e estruturar a sucessão
Diante desse cenário, as discussões no congresso convergiram para duas frentes complementares: construir relacionamento com as novas gerações e estruturar tecnicamente o patrimônio para a transição.
No lado relacional, a Franklin Templeton apresentou estratégias que vão além da simples comunicação. A adoção de tecnologia não se resume a ter WhatsApp ou enviar relatórios por e-mail. Significa integrar plataformas digitais ao planejamento, oferecer acesso em tempo real a informações e estabelecer comunicação assíncrona que respeite a dinâmica profissional dos herdeiros.
A personalização de conselhos também exige nova abordagem. Millennials priorizam propósito, flexibilidade e impacto social na composição de suas carteiras. Entender aspirações de vida, e não apenas objetivos financeiros, tornou-se pré-requisito para a relevância. O destaque para oportunidades em alternativos e ESG deixou de ser tema periférico para se tornar diferencial técnico que gera confiança.
Mais importante, a demonstração de valorização precisa ser ativa. Buscar input dos herdeiros, propor co-criação de estratégias e facilitar reuniões familiares como espaços de diálogo intergeracional são movimentos que aproximam gerações com expectativas distintas sobre o papel do advisor.
No lado técnico, o painel com Bologna e Arantes trouxe perspectiva complementar. Filipe Arantes iniciou com desmistificação necessária: é mito dizer que somente famílias com grande patrimônio precisam de planejamento sucessório. Segundo o advogado, cada família demanda uma solução única e adequada ao porte do patrimônio.
O espectro de instrumentos disponíveis vai de previdência privada, como complemento básico, até estruturas complexas como empresas offshore e trusts. Este último, embora mais comum fora do Brasil, funciona como arranjo no qual bens são administrados por terceiro em favor de beneficiários, permitindo gestão profissional até o momento da transferência definitiva.
O papel do planejador financeiro nesse contexto, segundo os painelistas, é ter visão holística sem perder a noção dos limites do próprio conhecimento. A função principal deixa de ser executar todas as etapas e passa a ser orquestrar especialistas — contadores, advogados, planejadores tributários — em torno de uma estratégia coerente.
Bologna destacou fator crítico frequentemente negligenciado: a liquidez. Muitas sucessões envolvem patrimônios ilíquidos — imóveis, participações societárias, coleções — e a liquidez disponível determina viabilidade de diferentes estratégias. Não há fórmula pronta para construir essa orquestração, mas a consciência sobre composição patrimonial precede qualquer decisão estrutural.
Por onde começar
O mapeamento surge como primeiro passo lógico. Identificar clientes nas faixas etárias críticas, avaliar a qualidade do relacionamento com familiares e entender a composição patrimonial — quanto é líquido, quanto é ilíquido — estabelece a base para priorização de esforços.
A construção de relacionamento com herdeiros pode começar por temas menos carregados emocionalmente do que herança. Conversas sobre decisões habitacionais no envelhecimento, por exemplo, posicionam o advisor como consultor de vida, não apenas gestor de ativos. Apresentar-se às gerações mais jovens antes da necessidade cria familiaridade que sobrevive a transições difíceis.
O LinkedIn, conforme evidenciado pelos dados demográficos da plataforma, oferece ponte inicial de contato profissional menos invasiva que ligações telefônicas ou visitas presenciais. A presença digital qualificada abre canais antes do evento crítico.
Por fim, a articulação de rede de especialistas confiáveis — advogados e contadores com experiência em planejamento sucessório — e o estabelecimento de protocolos de colaboração definem quem faz o quê no processo. A clareza sobre o papel de cada profissional evita sobreposições e lacunas que comprometem a execução.
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